terça-feira, 9 de outubro de 2007

Budak Java Penyelamat Penyair Terkenal Portugal - Luis Camões

Segunda-feira, Dezembro 08, 2003

A história não autorizada de Luís Vaz de Camões

Tudo parece indicar que nasceu por volta de 1524/25, provavelmente em Lisboa e que pertencia à pequena nobreza. Fidalgo pobre nunca passou pela universidade. Vivendo ao deus-dará, boémio, bêbado, envolvia-se em rixas de taberna, e conhecia todos os malandros do seu tempo. Gostava particularmente das Putas do bairro alto. Camões não era Poeta. Era Punk. A rixa durante a procissão do Corpus Cristi que resultou na sua prisão, confirmam este facto.

Camões era anti-religião e anti-nacionalista. Foi por isso que fugiu tantas vezes de Portugal. Dizem que esteve em campanhas e guerras em prol da Pátria, mas é mentira. Em Ceuta a sua insubmissão custou-lhe o olho Esquerdo. (não foi o olho direito!!) Camões lutou sempre ao lado dos marroquinos em troca de xamon. Esteve em goa, e em Macau ocupou o cargo de Provedor dos defuntos e ausentes. Durante a sua estadia em Macau iniciou-se nos prazeres da pedofilia com uma jovem india Dinamene, e também na necrofilia com os cadáveres da provedoria. Foi esta jovem india a responsável por grande parte da obra camoniana, enquanto ele se ocupava dos defuntos ela escrevia poemas apaixonadíssima. A certa altura teve de fugir, quando descobriram as suas aberrações sexuais, pegou na jovem Dinamene e embarcaram os dois. Ao largo da Conchichina naufragaram. Ele estava podre de bêbado ela morreu na praia, depois de ter nadado milhas e milhas com Camões às costas. Foi ela que o salvou. Quando acordou agarrou no saco e partiu, lá dentro estavam todos os poemas de Dinamene, inclusive aquilo que mais tarde se chamaria Os Lusíadas. Voltou a Goa e depois rumou a Moçambique.

Mais uma vez arranjou um pequeno escravo de seu nome Jau. Este jovem acabou Os Lusíadas e foi o responsavel pela restante obra camoniana. Quando voltou a Lisboa obrigava Jau a Cravar trocos para cerveja. E quando camões adormecia de bêbado, Jau escrevia. Retocou todos os poemas de Dinamene e baptizou a obra épica. Certo dia conseguiu convencer Camões que os poemas tinham qualidade e que devia falar com rei. Assim foi. Conseguiu uma tença anual que gastava em cerveja, enquanto Jau que deixou de cravar trocos produzia a excelente obra literária que conhecemos hoje. Jau nunca abandonou Camões, mesmo depois de frequentar os altos círculos culturais da época, visitava Camões e deixava sempre alguns poemas que Camões assinava como sendo seus e vendia. Camões foi um Punk! Não foi à universidade, era pedófilo, zarolho e só sabia assinar o seu nome. Não foi ele que escreveu aquilo. Ele não era Poeta.

13 comentários:

Basilio Araujo disse...

Camões (Luís Vaz de).

n. 1524.
f. 10 de Junho de 1580.



Príncipe dos poetas portugueses.

N. em Lisboa em 1524, fal. nesta mesma cidade a 10 de Junho de 1580. Era filho único de Simão Vaz de Camões, e de sua mulher D. Ana de Sá e Macedo, filha de Jorge de Macedo e aparentada com a casa de Vimioso.

Em 1527, declarando-se grande epidemia de peste, D. João III e a Corte fugiram para Coimbra, e Simão Vaz de Camões acompanhou el-rei, com sua mulher e seu filho, que apenas contava três anos. Quando D. João voltou para Lisboa, conseguiu ficar em Coimbra em companhia de seu irmão, D. Bento de Camões, cónego de Santa Cruz, e mais tarde, atendendo ao estado precário da sua casa, partiu para a Índia em busca de melhor fortuna. D. Ana ficou só com o filho, sendo muito auxiliada pelo cunhado, que se tornou um desvelado protector de seu sobrinho. Aos 10 anos, em 1534, matriculou-se Luís de Camões num dos colégios que tinha o convento de Santa Cruz, onde seguiu o curso de artes, que constava do quatro anos, sendo por isso mais tarde chamado bacharel latino, por Falcão de Resende. Quando a Universidade voltou novamente para Coimbra, em 1537, Luís Vaz, como o poeta era mais conhecido entre os escolares, foi ali matricular-se em Teologia. A sua vida de estudante tornou-se irrequieta e desordeira. O tio D. Bento de Camões andava muito desgostoso, porque desejava que o sobrinho seguisse a vida eclesiástica, e via-o muito requestador de damas, mostrando pouca vocação para a igreja. Chegando aos 17 anos, em 1541, conseguiu licença para deixar as aulas de Teologia, e seguir o curso de Filosofia. Já então se revelava poeta, e compôs uma elegia à paixão de Cristo, que ofereceu ao tio, que muito lhe agradou a oferta, reconhecendo o seu grande estro poético. Aos 20 anos, em 1544, encontrou-se pela primeira vez na igreja de Santa Cruz de Coimbra, nas festas da Semana Santa, com D. Catarina de Ataíde, dama da rainha D. Catarina, filha de D. António de Lima, mordomo-mor do infante D. Duarte, e deste encontro nasceu a ardente paixão, que lhe devia ser bem fatal. Nesse mesmo ano, num sarau a que assistiu na segunda feira de Páscoa, em casa de D. Diogo de Sampaio, e em que se combinara um torneio poético entre o poeta da Corte Pedro de Andrade Caminha e Luís Vaz de Camões, D. Juan Ramon, sobrinho do lente da Universidade Martim Azpileneta, julgou-se ofendido por causa duns versos de Camões, seguindo-se um duelo em que o espanhol ficou ferido, sendo preso o poeta. Os estudantes protestaram, o cónego D. Bento empregou toda a sua influência, apresentando-se então em casa do referido lente com sua cunhada, D. Ana de Sá, e só no fim de muitas discussões e instantes pedidos é que se conseguiu o perdão de Camões, com a condição de ser desterrado durante um ano para Lisboa.

Luís Vaz partiu então para a capital, depois de se despedir de sua mãe e de seu tio, que ficaram pesarosos com aquela separação. Sendo apresentado na corte literária da infanta D. Maria, conviveu com os poetas daquela época, ganhando a afeição de D. Manuel de Portugal, ainda seu parente, João Lopes Leitão e Jorge da Silva, também perseguidos por questões amorosas; outros poetas invejavam o esplendor daquele génio privilegiado, rebaixando sempre os seus versos, criticando-os traiçoeiramente; estes poetas eram Jerónimo Corte Real e Pedro de Andrade Caminha, o mais implacável inimigo de Camões. Os amores do poeta com D. Catarina de Ataíde descobriram-se talvez por melindres de outras duas damas de igual nome, uma filha de D. Álvaro de Sousa, e outra filha do segundo almirante D. Francisco da Gama. Camões foi então vítima de muitas intrigas, tanto em Lisboa, como em Sintra, onde se reunia a Corte, sendo os seus versos sempre escutados com verdadeiro interesse pelas damas, que os preferiam aos dos outros poetas, o que mais aumentava ainda a inveja de Pedro Caminha. A paixão que D. Catarina de Ataíde lhe inspirara, e que não pudera totalmente dissimular, a sua querida Natércia, como ele lhe chamava nos seus versos, em anagrama do nome de Catarina, as torturas que sofria pelas intrigas que lhe forjavam, para o desprestigiarem e afastá-lo da Corte, tudo o obrigou a desterrar-se, indo viver sem destino para o Alentejo. Espalhada a notícia do cerco de Mazagão, Camões teve a ideia de ir militar em África em 1547. Serviu dois anos em Ceuta, condição então exigida para entrar no gozo duma comenda; aí começou a ver os sintomas da decadência portuguesa, que lhe suscitaram o pensamento de fixar para sempre o quadro da sua grandeza histórica. Numa surpresa das tribos kabilas, de que pôde salvar-se pela sua valentia, perdeu o olho direito, acidente a que ele chama o fruto acerbo de Marte. Ao receber-se na Corte esta notícia, houve quem aproveitasse aquela honrosa cicatriz para motejos e sátiras, chamando-lhe cara sem olhos e poeta dum olho só.

Com o regresso de D. Afonso de Noronha em 1549, que estava despachado vice-rei da Índia, saiu Camões de Ceuta, acompanhando-o para Lisboa, e inscreveu-se então na Casa da Índia em 1550, para sair como homem de guerra na armada que partia nesse ano. O tio D. Bento já havia falecido, seu pai regressara a Portugal, e vivia em Lisboa com sua mulher, mas faleceu nesse ano de 1550, ficando unicamente D. Ana de Sá, que estava gravemente doente. A pobre senhora dispunha somente duns pequenos recursos que seu marido havia trazido da viagem. D. Manuel de Portugal, sabendo desta dolorosa situação, foi ao paço com D. Afonso de Noronha, impetrar a clemência real, para que Luís de Camões ficasse em Lisboa, mas só puderam conseguir, que fosse perdoado com a proibição formal de aparecer nos paços, quer de el-rei quer da sua real família, sob pena de ser mandado em ferros para o Brasil, ficando-lhe até fora dos paços proibido de se incorporar com os fidalgos da Corte em qualquer acto público. Camões não queria aceitar semelhante perdão, mas D. Manuel pediu-lhe que o não rejeitasse, em nome de sua mãe viúva e sem ânimo. Camões resignou-se, e começou a trabalhar na sua imortal obra, os Lusíadas, poema que lhe resgataria talvez as culpas de que o acusavam, e lhe abriria novamente as portas do paço, porque sendo o príncipe D. João, filho de D. João III, muito amante da poesia, contava com a sua protecção, se pudesse conseguir ler-lhe o poema. Assim se passaram dois anos com muitos sacrifícios; D. Ana de Sá restabeleceu-se, e Camões tinha já muito adiantados os Lusíadas.

Deu-se, porém, um novo incidente, e bem funesto. Era o dia do Corpo de Deus de 1559; quando Gonçalo Borges, moço dos arreios de D. João III, passava no Rossio para a rua de Santo Antão, dois embuçados riram-se do seu garbo, e acharam-se dali de repente as espadas desembainhadas. Por fatalidade apareceu Camões, e conhecendo os embuçados como seus amigos, atirou uma espadeirada a Gonçalo Borges, que o fez cair do cavalo, já moribundo. Então é que ficou irremediavelmente perdido; foi preso e encerrado na cadeia do Tronco da Cidade, onde jazeu perto dum ano, saindo a 7 de Março de 1553, livre por perdão do próprio Gonçalo Borges, que conseguira restabelecer-se. Tinha, porém, de partir para a Índia na armada, a 24 desse mês, capitaneada por Fernão Álvares Cabral, embarcando na nau Bento. Uma terrível tempestade destroçou a armada, a apenas a nau S. Bento pôde chegar em princípio de Setembro desse ano à Índia, sem ter aportado a Moçambique. Entrando em Goa partiu logo para uma expedição perigosa contra a Chembé; em 1551 esteve no largo e doentio cruzeiro do Mar Roxo junto ao Monte Félix, regressando a Goa na época dos festejos pela nomeação do governador Francisco Barreto, em 1555, em que cooperou com o seu auto de Filodemo, e em que contraiu os ódios que o fizeram ser mandado para Macau. Segundo os cronistas, a vida em Goa era então muito dissoluta, e Francisco Barreto, bastante severo, quis assinalar o seu governo pela reorganização dos serviços públicos. Foi nesta crise que escolheu Camões para provedor-mor dos defuntos e ausentes de Macau, lugar judicial administrativo, que longe da metrópole das colónias só poderia ser exercido por um homem conhecedor de direito, valente e honrado. Camões partiu para Macau em 1556, regressando a Goa no fim de dois anos em 1558, debaixo de prisão, por ser vítima de novas intrigas. Durante o tempo que esteve em Macau continuou escrevendo o seu imortal poema, vivendo na célebre e memorável gruta, que fica colocada dentro duma quinta, a pouca distância daquela cidade. No centro vê-se hoje o busto de Camões, sobre um pedestal; o busto foi modelado por Bordalo Pinheiro, e fundido no arsenal do exército de Lisboa (V. Macau). No regresso a Goa naufragou na foz do rio Mecong, nas costas do Cambodja, onde se salvou a nado, salvando também a odisseia das glórias portuguesas. Ao chegar a Goa, foi logo recolhido à cadeia, a ali recebeu então a notícia da morte prematura de D. Catarina de Ataíde, sucedida em 1556. A 3 de Setembro de 1558 sucedeu no governo da Índia o vice-rei D. Constantino de Bragança, e o poeta foi logo posto em liberdade. Em 1561 houve novo vice-rei, o conde de Redondo, que soube aproveitar-se do talento de Camões para trabalhos da sua secretaria. A situação económica do poeta não melhorara, e no ano de 1562 encontramo-lo preso por dívidas a requerimento de Miguel Rodrigues, de alcunha o Fios Secos. Um gracioso memorial dirigido ao conde de Redondo lhe fez recuperar a liberdade. Este vice-rei faleceu em Fevereiro de 1564, e Camões gozando vida mais sossegada, continuou a empregar-se no serviço das armas.

No entretanto, as saudades da pátria amarguravam-lhe o coração, e resolveu voltar a Portugal, acompanhado por um escravo chamado António, natural de Java, que muito se lhe afeiçoara, e que sempre o acompanhou no resto da vida. Pedro Barreto partiu de Goa para Moçambique, de cuja capitania ia tomar posse, e ofereceu a Camões levá-lo consigo, porque seria mais fácil encontrar ali embarcação que levantasse ferro para Portugal. Camões aceitou, mas em Moçambique, por causa duma questão que tivera com Pedro Barreto, ficou reduzido a grande miséria, de que seria vítima, se não arribasse em 1569 a nau Santa Fé, que trazia para Portugal o vice-rei D. Antão de Noronha, onde alguns amigos do poeta o auxiliaram, dando-lhe roupa. A nau Santa Fé chegou a Cascais a 7 de Abril de 1570. Camões veio achar Lisboa, depois de dezasseis anos de ausência, devastada pela terrível Peste grande, nome porque ficou sendo conhecida na história. Encontrou sua mãe muito velha e muito pobre, e neste desalento, para maior desgraça, roubaram-lhe ainda o seu livro de versos, e foi furto notório, como escreve Diogo do Couto. Nunca se descobriu o roubador, e Camões não chegou a ver impressa a sua poesia lírica. O seu grande poema, é que conseguiu, depois das maiores dificuldades, um alvará em 23 de Setembro de 1571, para o imprimir, mas só se publicou em principio de Julho de 1572, sendo-lhe dada em 28 desse Mês a tença de 15.000 réis pela sua habilidade e suficiência durante três anos, sendo renovada a 2 de Agosto de 1575. Camões continuava a ser guerreado, porque D. Sebastião, projectando a sua viagem a África em 1578, escolheu para cantor da sua futura vitória o poeta Diogo Bernardes. O resto da vida de Camões foi uma completa amargura, e os seus sofrimentos ainda mais se lhe agravaram, quando se recebeu em Lisboa a notícia do desastre de Alcácer Quibir. Na sua grande miséria, o jau, que o acompanhara do Oriente a Lisboa, prestou-lhe o mais dedicado e afectuoso auxílio, chegando a pedir esmola, às ocultas do poeta, para lhe acudir ás instantes necessidades da vida.

Assim faleceu o grande poeta, numa pobre casa da calçada de Santana, ao abandono, tendo por companhia unicamente sua mãe, e o fiel escravo, o jau António. Em alvará de 31 de Maio de 1582, o rei Filipe II, já então de posse de Portugal, mandou transferir para D. Ana de Sá a tença de 15.000 réis, por ser muito velha e muito pobre.

As edições dos Lusíadas são numerosas; o imortal poema está traduzido em todas as línguas (V. Lusíadas). Camões escreveu três comédias: El-rei Seleuco, o Amphitrião e O Filodemo, que se representaram em Lisboa. Além dos Lusíadas, compôs formosos versos elegíacos, bucólicos, satíricos, e uma colecção de sonetos muito apreciáveis; Rimas, publicadas em Lisboa em 1595, tendo depois muitas edições. Têm-se escrito muito acerca do grande poeta; mencionaremos o Plutarcho portuquez; Camões, poema do visconde de Almeida Garrett; Camões, drama do visconde de Castilho, representado no Brasil, e impresso em 1849; Camões, drama de Cipriano Jardim, representado no teatro de D. Maria, por ocasião das festas do centenário, em 1880; Historia de Camões, pelo Dr. Teófilo Braga; Diccionario bibliographico, tomos 5, 14 e 15; Luiz de Camões, romance histórico por António de Campos Júnior, etc. Em 1867 inaugurou-se em Lisboa a estátua de Camões, na praça que tomou o nome do grande poeta (V. Lisboa). Em Coimbra também se erigiu um monumento em 1881 (V. Coimbra). Em 10 de Junho de 1880 festejou-se solenemente o terceiro centenário da morte do grande poeta, havendo um pomposo cortejo cívico e brilhantes iluminações. Em Coimbra também se comemorou o terceiro centenário com solenes festejos.





Transcrito por Manuel Amaral

Basilio Araujo disse...

LUÍS VAZ DE CAMÕES

Poeta, 1524(?) - 1580(?)

Mirna Queiroz


MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES...
QUANDO TUDO ACONTECEU...

1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa. - 1548: Desterro no Ribatejo; alista-se no Ultramar. - 1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça contra os Mouros. - 1551: Regressa a Lisboa. - 1552: Numa briga, fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso. - 1553: É libertado; embarca para o Oriente. - 1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o comando de Fernando de Meneses. - 1556: É nomeado provedor-mor em Macau; naufraga nas Costas do Camboja. - 1562: É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. - 1567: Segue para Moçambique. - 1570: Regressa a Lisboa na nau Santa Clara. - 1572: Sai a primeira edição d’Os Lusíadas. - 1579 ou 1580: Morre de peste, em Lisboa.


PASSAGEM PARA A ÍNDIA

Camões é desterrado para a Índia. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

1552. Corpus Christi. No Largo do Rossio dois mascarados lutam com Gaspar Borges, funcionário da Cavalariça Real. Camões aproxima-se, reconhece os mascarados, são amigos seus. Não hesita, mete a mão no bolso e parte para a rixa. Faca em punho, movimento nervoso, cutilada no pescoço do adversário. A noite acaba em sangue. Camões é preso e levado para a cadeia do Tronco.

A mãe, Dona Ana de Macedo, chora a prisão do filho. Vive em súplica de perdão para Luís: visita ministros reais e o próprio Borges. Passados nove meses a vítima, já restabelecida do ferimento, resolve atender ao pedido.

É dia de alguma liberdade para Camões. O poeta deixa as masmorras sob duas condições: primeiro tem de pagar multa de 4 mil réis ao esmoler d’El-Rei; depois, embarcar para a Índia e servir por três anos na milícia do Oriente.

Em Março de 1553 o poeta parte para Goa na São Bento, nau incorporada à frota comandada pelo capitão Fernão Álvares Cabral. É soldado raso. Chega à capital da Índia portuguesa seis meses depois. Pena e papel sempre à mão, o poeta escreve sobre o que vê:

"(...) Cá, onde o mal se afina e o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;
(...) Cá neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!" (1)

Camões participa numa expedição punitiva contra o Rei de Chemba, na Costa do Malabar, enviada pelo Vice-Rei D. Afonso de Noronha. Vitória. O poeta regressa a Goa. Em Fevereiro de 1554 parte novamente sob o comando de D. Fernando de Meneses. Desta vez em perseguição a navios mouros que comercializavam entre a índia e o Egipto, prejudicando o monopólio mercantil dos portugueses. A frota só volta à Índia em Novembro do mesmo ano.

Chegam as férias militares, fim do soldo. Para ganhar alguns trocados, Camões escreve versos e autos por encomenda de um poderoso senhor que os apresenta como seus à pretendida. Em troca, restos de comida. O poeta também se torna escriba público. São muitos os soldados analfabetos. Camões escreve cartas para os seus familiares no Reino. Assim vive em Goa até 1556: "Junto de um seco, duro, estéril monte"(2). "Numa mão sempre a pena e noutra a espada".(3)

O NAUFRÁGIO

Fim do estágio obrigatório na milícia do Oriente. Camões é nomeado provedor-mor em Macau, entreposto comercial de portugueses na China. É encarregado de arrolar e administrar provisoriamente os bens de pessoas falecidas ou desaparecidas. Lá, descobre uma estreita gruta, refúgio. Passa horas a escrever, Os Lusíadas: a viagem épica de Vasco da Gama e, no extremo sul da África, o gigante Adamastor a tentar impedir o avanço dos nautas portugueses:

«Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem vós chamais de Tormentório.»

Heróis trágico-marítimos; deuses mitológicos, paixões, intrigas, batalhas, aventuras e cobiças. Histórias de um minúsculo Portugal em expansão, «mais do que prometia a força humana»...

Não tarda e é acusado, por compatriotas, de apropriação de dinheiro alheio. Camões tem de ir a Goa para responder a inquérito judicial.

No regresso, o susto, o naufrágio. Está na Costa de Camboja, próximo do Rio Mecom. Camões salta do barco. Os Lusíadas colados ao corpo. Braçadas. Mais braçadas. Turbilhão de água, escassez de ar. Camões nada, incansavelmente. Terra firme. Ainda não perdeu os sentidos. Sabe que está vivo. Olhar de soslaio, o manuscrito está salvo. Já pode desmaiar. O corpo a transpirar, ardência, febre. A infância, paixões e conflitos, lampejos. Mazelas.

TRISTE VIDA SE ME ORDENA...

Camões enamora-se da irmã do rei. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

Camões perde um olho numa escaramuça em Ceuta. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.


Fidalgo pobre, de família arruinada, tem uma infância cheia de privações. O pai, Simão Vaz de Camões, deixa filho e esposa, em busca de riquezas nas Índias. Morre em Goa. A família desamparada. O menino Luís Vaz assiste ao novo casamento da mãe. Um estranho ocupa o lugar do falecido.

É educado em Lisboa por dominicanos e jesuítas. Vive um período em Coimbra, onde faz o curso de Artes no Convento de Santa Cruz. O tio, D. Bento de Camões, é prior do Mosteiro e chanceler da Universidade. Camões frequenta os centros aristocráticos, onde tem acesso às obras de Petrarca - a quem toma por modelo -, Bembo, Garcilaso, Ariosto, Tasso, Bernardim Ribeiro, entre outros. Domina a literatura Clássica da Grécia e Roma; lê latim, sabe italiano e escreve o castelhano.

Conta-se que o poeta é levado a frequentar o Paço por D. António de Noronha, cuja morte é citada num soneto. Ali conhece Dona Caterina de Ataíde, Dama da Rainha, por quem se apaixona perdidamente. O objecto de paixão é imortalizado na sua lírica sob o anagrama de Natércia. Há quem diga ainda que o autor d’Os Lusíadas se enamora da própria Infanta D. Maria, irmã de D. João III, Rei de Portugal.

Talvez boatos, como tantos outros acerca de sua vida. O que se sabe ao certo é que os seus amigos são vadios que se amotinam pelas ruas da cidade; as suas mulheres, meretrizes. O Malcozinhado, bordel de má fama lisboeta, é o lugar preferido para refastelar-se. Gosta de fitar o sexo oposto. Assedia, fala, canta. É jocoso. Convida a dançar, cheiro a cravo. Saiotes a girar, contentamento. Inspiração:

"Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente ;
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer..."(4))

Mas a vida do poeta não é feita só de encontros fortuitos. Alterna pequenos momentos de regozijo com indagações profundas sobre si mesmo. Nos seus pensamentos, os apetites carnais entram em colisão com a visão platónica que tem da mulher e dos sentimentos amorosos. Transfere a contradição para a lírica. Compõe o amor no seu mais alto anseio espiritual, afectivo. O amor transcendente, imaculado:

"Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar,
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada." (3)

Mas também evoca o erotismo, os desejos e a arte de tão bem seduzir. Dirá mais tarde, n’Os Lusíadas:

"Oh! Que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tam suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é exprimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo." (5)

Num plano mais terreno, Camões tem outras inquietações. É apontado como sujeito folgado e briguento. Ganha a alcunha de Trinca-Fortes. As suas desavenças dão origem ao desterro, em 1548. Segue para o Ribatejo. No bolso, nem um vintém. Amigos afortunados garantem-lhe cama e comida.

Vive seis meses na província, de favores. Resolve alistar-se na milícia do Ultramar. Embarca para Ceuta no Outono de 1549. Perde o olho direito numa escaramuça contra os mouros inimigos de Cristo. Em 1551, volta a Lisboa. Amargura, desilusão:

"(...) Que castigo tamanho e que justiça.
(...)Que mortes que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimenta."(6)

O poeta anda muito calado. Reflexões. Confessa aos amigos que sente despedaçados todos os valores em que acredita, ele, homem de princípios cristãos. Aflito com as diferenças entre utopia e realidade, aspiração e recompensa. Já escrevera sobre a contradição entre o que julga ser moral, racional e o que realmente testemunha e vive. É o "desconcerto do Mundo, em que os bons vê sempre passar no mundo graves tormentos, os maus vê sempre nadar em mar de contentamentos" (1). Tais injustiças passam a ser tema constante na sua lírica. Descreve os seus infortúnios, aponta com desprezo a sede cobiçosa, o querer tiranizar (1). Também não lhe escapam as transformações às quais os homens estão sujeitos:


"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o Ser, muda-se a confiança;
Todo mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades." (


AQUELA CATIVA...

Camões apaixona-se pela cativa chinesa. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.


Camões acorda na praia. Tudo embaçado, imagens sem sentido. Sonho e realidade confundem-se. Abandona-se. Chora a perda da mulher amada: Dinamene, a chinesa, "aquela cativa que me tem cativo"... Ela, que viajou em sua companhia, não sobreviveu ao naufrágio.

Luís Vaz levanta-se, caminhar trôpego, desconsolo:

"Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste." (3)

Permanece na região em companhia de monges budistas, até que um dia é levado de volta a Goa num navio português.

NASCE A OBRA

Camões passa miséria em Moçambique. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

Em Goa, sempre as atribulações: um empréstimo aqui, outro acolá. Finta. Um credor zanga-se. Cadeia. Do cárcere, Camões invoca os bons ofícios do Conde de Redondo, vice-Rei da Índia Portuguesa, nuns versos humorísticos escritos por volta de 1562. O vice-rei concede-lhe a liberdade. O poeta é ainda distinguido com a sua protecção.

Nesta época mantém contactos com outras figuras importantes. Representa o auto do Filodemo ao governador Francisco Barreto. Compõe uma ode a favor do vice-rei D. Constantino de Bragança, defende-o contra críticas. Também é amigo do vice-rei Francisco de Sousa Coutinho. Ganha de um deles a nomeação para a feitoria do Chaul, mas não chega a ocupar o cargo. Convive com Diogo do Couto, o continuador das "Décadas", e com Garcia de Orta. O médico, naturalista e ex-catedrático de Lisboa pede-lhe uma ode para acompanhar a primeira edição dos "Diálogos dos Simples e Drogas".

Apesar das boas relações, Camões queixa-se da vida difícil. Resolve então celebrar as próprias desgraças, é o que diz aos companheiros. Banquete. Mas na mesa, não há iguarias nem bom vinho.

"Heliogábalo zombava das pessoas convidadas,
E de sorte as enganava,
Que as iguarias que dava
Vinham nos pratos pintadas.
Não temais tal travessura,
Pois já não pode ser nova;
Que a ceia está segura
De não vos vir em pintura,
Mas há de vir toda em trova." (3)

Em 1567, Camões conhece Pêro Barreto. Nomeado capitão para Moçambique, Barreto promete-lhe um emprego e adianta-lhe o pagamento da passagem. Dívida prolongada. Os dois brigam. O Capitão manda prendê-lo, rotina.

Fome. Os amigos mais uma vez ajudam-no. Inverno. Camões fecha-se na poesia. Retoca os seus Lusíadas. Deseja muito imprimi-los. Nestes dias de frio, o poeta nunca larga a sua pena: compõe o "Parnaso Lusitano", colectânea de poemas líricos. Obra de muita erudição, consideram os amigos. Um ladino leva-a, fim desconhecido.

Finais de 1569. Nos últimos meses, o poeta fala muito na Pátria, que tanto exalta em seus cantos. Saudades. Diogo do Couto junta uns amigos, compram roupas a Camões, pagam-lhes as dívidas e ajudam-no a deixar Moçambique.

Camões chega a Lisboa na Santa Clara, em 1570. Traz com ele Jau, um escravo javanês comprado em Moçambique, e os dez cantos d’Os Lusíadas. Na capital portuguesa vai viver com a mãe, na Mouraria. A sua penúria é ainda maior. O poeta abatido pousa a cabeça na escrivaninha e queixa-se em voz baixa: "Ah! Fortuna cruel! Ah! Duros Fados! (7)

EDIÇÃO D’ OS LUSIADAS

Apenas uma ambição: editar Os Lusíadas. Macambúzio, roupa apertada e esgarçada, restos de altivez, o poeta pede ajuda ao Conde de Vimioso, D. Manuel de Portugal. Permissão real para levar adiante o seu projecto. Júbilo. O censor, Frei Bartolomeu Ferreira, concede-lhe o imprimatur. Mas antes, lê o poema e faz algumas modificações: limpeza de certos indícios de impiedade.

Na oficina do Mestre António Gonçalves, à Costa do Castelo, a obra de Camões ganha corpo. Desatenção: duzentos exemplares cheios de erros tipográficos. Correm os primeiros meses de 1572.

Após a publicação, D. Sebastião, o jovem monarca, concede ao poeta uma tença trienal de 15 mil réis, ou seja 40 réis por dia, "em respeito aos serviços prestados na Índia e pela suficiência que mostrou no livro sobre as coisas de tal lugar". Vale lembrar que, nesta época, um carpinteiro ganha em média 160 réis por dia. A pensão é renovada em 1575 e novamente em 1578. Conta-se que o poeta sobrevive juntando estes proventos às esmolas recolhidas pelo escravo javanês.

O seu nome começa a fazer eco. Composições líricas e até cartas suas - uma escrita em Ceuta, outra na Índia e mais duas escritas em Lisboa - passam a ser recolhidas em cancioneiros particulares manuscritos.

MORRE O AUTOR

Peste em Lisboa. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

Em 1579 a peste assola Lisboa. Num quarto escuro, Camões estirado na cama. Tem muita febre e já ninguém duvida que é mais uma vítima da doença. Na boca, um gosto, misto de gengibre, canela, cominhos e açafrão: remédio contra a pestilência. Dona Ana de Macedo segue todas as receitas conhecidas: sangria e até sumo de serpilho misturado com leite de mulher. Na casa, o fogo sempre aceso para queimar o ar que tresanda.

O autor d’Os Lusíadas está muito fraco, mas insiste em escrever. Remete uma carta a D. Francisco de Almeida, referindo-se ao desastre de Alcácer-Quibir, à ruína financeira da Coroa portuguesa, à independência nacional ameaçada. "Enfim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria que não só me contentei de morrer nela, mas com ela".

A mãe deixa o quarto, prato de comida intacto nas mãos. O poeta já não reage. Desvanece.

"Foge-me, pouco a pouco, a curta vida,
Se por acaso é verdade que inda vivo;
(...) Choro pelo passado; e, enquanto falo,
Se me passam os dias passo a passo.
Vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena." (3)

OS ERROS E A FORTUNA

O seu corpo é sepultado num canto qualquer da banda de fora do cemitério do Convento de Santana. E ainda assim graças à Companhia dos Cortesãos, que paga as despesas do funeral. Segundo os amigos mais próximos, os últimos anos de Camões são vividos na mais absoluta miséria. À mãe deixa apenas a tença que lhe foi atribuída e a ela transferida.

Depois da sua morte cresce o interesse pelos seus poemas - apenas três deles publicados em vida - e pelos seus autos e comédias: Auto dos Anfitriões, Auto d’El Rei-Seleuco e o Auto de Filodemo.

Em 1548 sai a segunda edição d’Os Lusíadas, chamada "Dos Piscos". Expurgada pela censura, que a mutila, principalmente por motivos religiosos, até à quarta edição em 1609. Em 1670, contam-se 18 edições dos cantos. O tempo passa, estudiosos de vários pontos do mundo debruçam-se sobre a sua vida e obra. É elevado a herói nacional. O poeta ainda vivo, apesar do seu fado. Vivo pelo seu amor à Pátria, pela epopeia, pel’Os Lusíadas. Vivo pela sua angústia existencial, pela sua lírica: a mulher como anjo, porém a carne; a razão, porém o desejo; as ideias, porém o dia-a-dia; o espírito, porém o corpo. Luís Vaz dilacerado, violência, violência:

"Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso dos meus anos;
Dei causa a que a fortuna castigasse
As minhas mais fundadas esperanças.
De amor não vi se não breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!"(1)

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(1) "Rimas,1616 - (2) "Os Lusíadas", canto VII - (3) "Rhitmas, 1595 - (4) "Rimas", 1598 - (5) "Os Lusíadas", Canto IX - (6) "Os Lusíadas", canto IV - (7) "Rimas", 1668

Basilio Araujo disse...

Biografia do Autor

Luís Vaz de Camões é considerado o maior poeta português; nunca existiu, nem em Portugal nem em qualquer outra parte do mundo, poeta algum que igualasse nem muito menos superasse a dedicação que Camões deu à sua pátria por meio de uma tão próspera obra épica como são “Os Lusíadas”.

“Os Lusíadas” são a culminação de toda uma cultura e de uma civilização. Camões é considerado um poeta fora do seu tempo, pois a sua modernidade e a sua portuguesidade são visíveis no modo como esta obra, tanto no estilo épico como no estilo lírico, se estrutura.

É através de indícios textuais que se encontram na sua poesia e a que podemos chamar a modernidade de Camões ou estilo Camoniano, que se verificam transgressões, tanto em relação aos modelos clássicos greco-latinos da época como em relação à ordem religiosa e política do poder no tempo de Camões e como também em relação à imagem posteriormente construída do poema como símbolo épico da raça lusíada e dos seus feitos materiais.

Mas são estas transgressões que caracterizam Camões como sendo um novo homem da Renascença.

Nasceu a 1524 ou 1525, segundo documentos publicados por Faria e Sousa, em Lisboa ou em Coimbra (a data e o local do seu nascimento não são certos). Segundo registo da lista de embarque para o Oriente do ano de 1550, declara-se que Luís de Camões se inscrevera e, nesse registo, é-lhe atribuída a idade de 25 anos.

O Padre Manuel Correia que o conheceu pessoalmente, dá-o nascido em 1517. Filho de Simão Vaz de Camões e Ana de Sá Macedo, família nobre estabelecida em Portugal na época de D. Fernando, foi educado sob o império do Humanismo, estudou em Coimbra de 1531 a 1541, onde D. Bento de Camões seu tio, era chanceler.

Era esse mesmo seu tio sacerdote e sábio que o auxiliava nos estudos, mas ainda antes de Luís de Camões acabar o seu curso, partiu para Lisboa, talvez para conhecer melhor a principal cidade do seu país visto gostar imenso da História de Portugal.

Reinava D. João II e, como Camões era fidalgo, podia frequentar as festas e saraus da corte no palácio real; e foi lá que conheceu aquela que ele queria que viesse a ser a sua esposa, D. Catarina de Ataíde.

Devido à rigorosa tradição da corte, Camões teve que se afastar desta linda menina a quem ele tratava por um nome inventado de Natércia nos seus muitos poemas consagrados, e foi exilado por ordem do rei para o Ribatejo (Constância), onde permaneceu durante dois anos até que se alistou como soldado e partiu para Ceuta.

Foi nesta viagem que Camões primeiro avaliou o esforço formidável de um povo audacioso e persistente, que foi capaz de vencer os difíceis obstáculos desta travessia, de forma pioneira.

Apesar de ter sido um grande poeta, foi também um grande patriota e um grande soldado. Defendeu Portugal tanto nas guerras em África como na Ásia. Em 1547, partiu para Ceuta depois de ter estado na corte de 1542 a 1545. Em Ceuta perdeu um olho quando lutava a favor de D. João III.

Três anos mais tarde voltou a Portugal e teve vários duelos, num dos quais feriu Gonçalo Borges, moço de arreios de D. João III, o que lhe custou um ano de prisão no Tronco. Diz-se que foi nesse ano de prisão que Camões compôs o primeiro canto da sua obra “Os Lusíadas”.

Obteve a liberdade como promessa de embarcar para a Índia como simples homem de guerra e embarcou para Goa em 1553, onde conviveu com o vice-rei D. Francisco de Sousa Coutinho e com o Dr. Garcia de Orta e manteve também relações amistosas com Diogo do Couto, o continuador das Décadas.

Foi aí que escreveu o “Auto de Filodeno”, o qual representou para o governador Francisco Barreto. Ainda na Índia compôs uma ode a D. Constantino de Bragança, em que o defendia de acusações supostamente falsas que lhe eram feitas. Da Índia passou a Macau, onde os portugueses tinham fundado uma colónia mesmo em frente ao mar. Aqui conheceu Jau António, companheiro que esteve sempre com ele até à morte e lhe fez companhia enquanto cantava em seis cantos os feitos dos portugueses numa gruta em frente ao mar.

Foi chamado a Goa mas, no caminho para a Índia o barco onde navegava naufragou junto à foz do rio Mekong, e diz-se que ele tenha ido até à costa a nado só com um dos braços, visto no outro levar consigo a sua tão próspera obra.

Foi a descida do Oceano Atlântico, a passagem do Cabo da Boa Esperança e todas aquelas paragens que levaram Camões a glorificar na sua obra os lugares por onde a armada de Vasco da Gama tinha já passado, lugares esses que muito custaram a "descobrir", razão ainda para dignificar o povo lusitano.

Regressou a Lisboa em 1569 e, em 1572, publicou “Os Lusíadas”. Foi-lhe concedida por D. Sebastião uma tença anual de 15 mil reis que só recebeu durante três anos, pois faleceu no dia 10 de Junho de 1580 em Lisboa, na miséria, vivendo de esmolas que se dizia terem sido angariadas pelo seu fiel criado Jau. O seu enterro teve de ser feito a expensas de uma instituição de beneficência, a Companhia dos Cortesãos.

Após a sua morte, foi D. Gonçalo Coutinho que mandou esculpir na sua pedra o seguinte letreiro: “Aqui Jaz Luís de Camões Príncipe dos Poetas de seu Tempo. Viveu Pobre e Miseravelmente e Assim Morreu. - Esta campa lhe mandou pôr D. Gonçalo Coutinho, na qual se não enterrará pessoa alguma.”

A comemoração do dia da sua morte, é actualmente relembrado como o “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”, sendo feriado nacional.

Basilio Araujo disse...

Luís Vaz de Camões


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Biografia

A primeira biografia de Luís de Camões foi escrita em 1613, no "Prefácio" da edição de Domingos Fernandes, por Pedro de Mariz (1550-1615), filho de Antônio de Mariz, livreiro em Coimbra no tempo em que Camões ali vivia, e ele mesmo presbítero secular, bacharel em Cânones e guarda-mor da Livraria da Universidade, e assim em condições morais e cronológicas para da vida do Poeta conhecer dados essenciais. Alguns deles nos oferece o seu esboço biográfico, não desmentidos pelos que a investigação posteriormente tem descoberto nem pelos próprios elementos autobiográficos colhidos na obra lírica e épica do Poeta.

O que nem ele nem ninguém nos dá de decisivo é a indicação do local e da data do seu nascimento. Como sucedeu com Homero, várias localidades disputam a glória de ser seu berço, mas Lisboa e Coimbra com mais probabilidades. Deixemos a discussão aos mais interessados pelas glórias locais do que pelo legado do Poeta, e digamos que as duas cidades têm, para seu orgulho, pábulo que baste: Coimbra, por ter-lhe condicionado o seu honesto estudo de humorista; Lisboa, a sua longa experiência social. Aparentado com os Camões, da mais honrada (ou seja, enobrecida) gente da cidade do Mondego, é ele próprio que afirma ter-lhe aqui decorrido parte da mocidade:

Nesta florida terra,
Leda, fresca e serena,
Ledo e contente pera mim vivia.
..................................
Longo tempo passei,
Com a vida folguei...


Um seu tio paterno, D. Bento de Camões, frade de Santa Cruz e chanceler da Universidade, com probabilidade tem sido indicado como o protector e mentor de seus estudos, mas é admissível que o próprio ambiente universitário lhe haja suscitado curiosidades que, fora dele e através da vida, iria satisfazendo por um audotidatismo que o tornou o poeta de mais variada e viva cultura do seu tempo. Não terá sido o bacharel latino, como já o biografismo fantasioso o graduou, mas, lendo o latim, o italiano e, naturalmente, o castelhano, pôde nutrir sua cultura de poeta e fazer florescer em suas Rimas — ou seja na sua lírica — temas de vária origem, mas a que seu gênio criador imprimiu a unidade da vida, porque tudo foi assimilado e vivido como próprio.

A nobreza da família, fortalecida pela abundância dos bens em seus parentes de Coimbra, era decerto modesta no pai, que os não possuía. Cabiam-lhe, todavia, honras de cavaleiro fidalgo, e ao filho, que também o era, essas bastavam, acrescentadas dos bens do espírito e da cultura, que os tinha excepcionais, para lhe dar entrada nos Paços da Ribeira. Era jovem quando ali pôde fulgurar, pois teria nascido nos fins do primeiro quartel de Quinhentos quem era ainda jovem em 1553, data da Carta do Perdão, a que já nos referiremos, que o habilita, liberto do Tronco da Cidade, a partir para a Índia como soldado.

A poesia lírica de Camões é, em grande parte, poesia de circunstância, o que significa que emerge da vida, como a espuma do movimento da vaga, e isso lhe dá o valor autobiográfico precioso para quem não encontrou nenhum contemporâneo que dele com demorada atenção se ocupasse. Fidalgo e freqüentador do Paço Real, escreveu o soneto em que comenta o incidente palaciano de D. Guiomar de Blasfé, a filha do conde de Redondo, D. Francisco de Sousa Coutinho, que depois encontraria vice-rei na Índia. Uma vela do salão queimou-lhe o rosto; o caso foi comentado risonhamente e o Poeta dedicou-lhe as trovas Amor, que a todos ofende, / Teve, Senhora, por gosto / Que sentisse o vosso rosto / O que nas almas acende, e ainda um soneto (O fogo que na branda cera ardia). As trovas que glosam o mote de D. Francisca de Aragão e a carta que as acompanha têm significado ainda de maior intimidade, a carta quase expressiva de amitié amoureuse entre o Poeta e grande dama.

Depois, era o teor literário das composições de graciosa finura que implicava, da parte das damas a quem eram dirigidas, educação que lhas esclarecesse e fizesse saborear. Acrescia a isto seu convívio com a Índia: são aristocráticos os nomes dos seus convidados para o banquete de trovas. Um deles — João Lopes Leitão — figura na Lírica escrita em Lisboa e interessaria ao Poeta, porque também não era alheio às Musas, e foi o único que em verso protestou contra a troca de iguarias por trovas naquele poético ágape...

Neste covívio palaciano, teria Camões tomado amores que, pela desigualdade dos estados, de que mais de uma vez se queixa, tivessem provocado a perseguição de pai fidalgo ou até de irmão régio, que o desterrasse? Atribuem-se-lhe vários desterros, sendo um para Ceuta, onde se bateu como soldado em combate que lhe custou a perda do olho direito. A tal perda se refere na Canção Lembrança da Longa Saudade. Por quem foram tais amores? Por Natércia? Havia três desse nome, contemporâneas do Poeta. Pela infanta D. Maria, irmã de D. João III? Não seria a primeira dama de sangue real que se apaixonasse por um poeta, e, se esta o fizesse, encontraria justificação em sua consciência, dada a grandeza genial do enamorado, e dada a amargura duma vida de sempre noiva, a cada passso decepcionada por casamentos desfeitos pela própria enormidade do dote — que o irmão parecia querer evitar que saísse de Portugal...

Mas ponhamos de parte a congeminação, visto que não poderíamos transitar do recanto nevoento das suspeitas da fantasia para a realidade dos factos esclarecidos. Cumpre, todavia, notar que as suspeitas as suscitam os sonetos em que o Poeta se refere ao alto lugar em que pôs o pensamento, perante o qual reconhece em si tal baixeza, que cuidar nele é grão despejo e mais de uma vez protesta contra a humana natureza, que faz entre os nascidos tanta diferença e lamenta que a Fortuna desiguale os estados...

As Cartas são outra prova de que o Poeta, mesmo nas horas nocturnas de libertinagem, entre a taberna do Mal Cozinhado e as acolheitas das Ninfas de água doce, não tinha, como já foi suposto, convivência que possa lembrar a de Villon, de marginais a quem a forca de perto espreitava. Aquele a quem escreve a Carta III, refaz-se, em suas terras de Coimbra, dos desgastes da boémia lisboeta; diz-se-lhe enfadado do isolamento campesino, e Camões responde-lhe, depois de lhe descrever — e que realista o humorismo com que o faz! — o que havia de ridículo nos indivíduos que encontraria nas acolheitas: "Como vos parece, Senhor, que se pode viver entre estes, que não seja milhor essa vida que vos enfada, essa quietação branda, como um dormir à sombra de uma árvore e ao tom dum ribeiro, ouvindo a harmonia dos passarinhos, em braços com os Sonetos de Petrarca, a Arcádia de Sannazzaro, as Éclogas de Vergílio, onde vedes aquilo que vedes? Se a vós, Senhor, essa vida vos não contenta, vinde-a trocar pela minha, que eu vos tornarei o que for bem. E não vos esqueçais de escrever mais, que ainda me fica que responder. Cujas mãos beijo."

Este amigo, que tem terras em Coimbra, que é certamente também leitor dos poetas citados, porque de outro modo Camões lhos não nomearia, que sabe traduzir o latim que o amigo lhe cita, que pode compreender as alusões a Celestina e Calixto, da célebre tragicomédia de Rojas, e não desconhece as figuras clássicas da formosa Helena e da casta Lucrécia, será porventura o mesmo a quem é endereçada a Carta IV. A este igualmente o Poeta o trata por senhor, o inculca apto a traduzir-lhe o latim que lhe cita e fala-lhes das maças de Hércules . . . E no momento dos cumprimentos, diz-lhe: "O Senhor António de Resende beija as mãos de V.M. e o mesmo faz o Senhor Pedro Ribeiro Serpe." Todos os requisitos sociais de um nobre senhor! E, todavia, é Camões que no-lo inculca membro daquela camaradagem de Marialvas arruaceiros, a que também se associa o filósofo João de Melo. Declara-lhe o Poeta o perigo que todos correm: "Dizem que é passado nesta terra um mandado pera prenderem a uns dezoito de nós; e porque nestas pressas grandes sem vós não somos nada, sabei que deste rol vós sois o primeiro, como sempre o fostes em tudo. A razão dizem que é por um homem fidalgo que dizem que foi espancado uma noite de são João pelo Senhor João de Melo, e ele saberá se é assim."

Eis os companheiros de Camões. Desciam das salas dos Paços da Ribeira, onde platonicamente ou à maneira de Petrarca galanteavam as damas de alta estirpe, para as damas de aluger onde se encontravam com a fauna humana objecto de desprezo e da sátira do Poeta. Os pés de Camões patinhavam na mesma lama dos da sua camaradagem, mas sente-se-lhe, ao confessá-lo, a palpitação das asas que em breve o libertariam...

O Poeta, na verdade, nessa estouvada estúrdia, ferira numa rixa um criado do Paço Real — Gonçalo Borges — e em tarde de procissão do Corpo de Deus. Preso no Tronco da cidade, ali passou alguns meses, ao fim dos quais, obtendo que o agredido, que ficou sem aleijão, lhe perdoasse, não lhe foi difícil conseguir de D. João III o pusesse em liberdade, tanto mais que se propunha servi-lo na Índia. A Carta de Perdão data, como dissemos, de 1553. A partida para a Índia é de um ou dois anos depois.

Da Índia, o Poeta escreve epístola a um amigo e nela lhe exprime a alegria dessa largada: "Enfim, eu não sei, Senhor, com que me pague saber tão bem fugir a quantos laços nessa terra me armavam os acontecimentos, como com me vir para esta, onde vivo mais quieto que na cela dum frade pregador."

Está nitidamente posta de manifesto a voluntariedade da oferta a D. João III de serviços de soldado na Índia. Com o desejo de mais facilmente obter a Carta de Perdão, convergia o interesse da libertação moral a que se refere. O ser a promessa da largada para a Índia facilitadora do perdão régio, não lhe dá, porém, carácter de condição da liberdade e, como tal, forçadamente suportada, segundo o Poeta acentua.

NO ORIENTE


Pelo Oriente a vida de Camões é uma montanha-russa, com suas transitórias subidas, mas com suas bem mais demoradas depressões e descidas. Da viagem marítima, fixou-lhe a memória, comovida do espanto e sonho de outras bem opostas realidades, a tempestade do cabo da Boa Esperança, descrita na elegia O Poeta Simónides, ensaio — dir-se-ia — para a que havia de descrever na travessia do Índico, em Os Lusíadas. Mas quem, na largada para a vida aventurosa de guerreiro, nela se iniciando com o ataque ao rei da Pimenta, ao facto alude sem a mínima emoção de entusiasmo; quem, na mesma elegia, apenas mostra aspirar à vida dos lavradores bem aventurados, não apenas como desprendida de cuidados, como a sonhavam os poetas contemporâneos, mas como condição de enriquecimento do espírito, pois podia, lendo, conhecer


As causas naturais de toda a cousa...

não parece muito tentado pela glória militar, posto que, não sem orgulho, se represente como tendo numa mão a espada e noutra a pena...


A outra expedição ele se refere, e esta ao cabo Guardafu. A descrição do ambiente físico — o monte seco, fero, estéril, não é de tão rude e áspero realismo, senão para mais avivar o seu contraste com a lembrança luminosa dos claros olhos que derramam sua doçura para bem diferentes paisagens. Na elegia anterior, o contraste era entre a tempestuosa aventura do nauta e a doce calma do lavrador bem aventurado — que podia ler e estudar. Agora é entre a aspereza do monte estéril e a paisagem distante que os claros olhos iluminam. Num e noutro caso, patenteia Camões que não é a guerra que o tenta, e deixa adivinhar que o mais cedo possível dela se libertaria.

Com efeito, o pouco de sua vida no Oriente nos chega ao conhecimento não são feitos militares nem frustradas ambições de mando. De mais preciso e concreto, uma situação de que um injusto mando o demitiu — e por ventura a de provedor dos defuntos e ausentes em Macau. Da sua nomeação para a feitoria de Chaul, em que, afinal, não foi provido, temos conhecimento pelo alvará de Filipe I de Portugal, em 1585, passado a Ana de Sá pelos serviços do marido e do filho, ambos mortos. De quem recebeu Camões esta nomeação? Do vice-rei conde de Redondo, tão amigo do Poeta? Não se sabe. O que se não ignora é que essa amizade se patenteia na ode — Aquele único exemplo... — que o Poeta lhe dirige, para obter sua protecção para com o Dr. Garcia de Orta, seu amigo, que lhe publica no "Prefácio" do célebre livro Colóquios dos Simples e Drogas e Coisas Médicas da Índia, e ainda as trovas a favor de seu outro amigo, um dos convidados para o banquete acima citado, Heitor da Silveira.

Outro magnate em cuja estima ele parece confiar é D. Leonis Pereira, a quem dirige a elegia — Depois que Magalhães... — a favor do escritor brasileiro Pêro de Magalhães Gândavo, autor do livro História da Província de Santa Cruz.

Como se vê, o Poeta tinha no Oriente um ambiente social que, bastante a exaltar-lhe os méritos, a abrir-lhe, com louvores repetidos, a confiança em sua atenção, quando se lhe dirigia, não era suficiente a erguê-lo acima da existência difícil, oscilando entre a suficiência desambiciosa e a pobreza incapaz das humilhações de solicitante. As oitavas ao vice-rei D. Constantino de Bragança serão uma solicitação indirecta, quando lhe exalta o valor contra a opinião do vulgo errado? Não parece. E tão viva é a sua repulsa contra o conceito de doce adulador, sagaz e agudo, que lhe ocorre a suposição de que como tal seja tomado: Dirão que com lisonja ajuda peço / Contra a miséria injusta que padeço. A verdade, porém, é que os exemplos que invoca são os de grandes figuras morais que o povo caluniou e maltratou, como pensa suceder naquele momento contra D. Constantino...

Pedido ao conde de Redondo, em seu favor, fez um, mas esse humorístico, posto que em oportunidade dramática. Veja-o o leitor na trova em que lhe pede em trocadilho que, antes que se embarque, o desembargue da prisão em que por dívidas se encontrava.

Ao fim de 16 anos, aproximadamente, de uma vida que ele pôde chamar sem grande exagero a mais desgraçada que jamais se viu, regressa a Portugal. Regressa sem recursos, nem para o pagamento da viagem, nem para, na ilha de Moçambique, poder esperar pela nau em que embarcasse. Diz Diogo de Couto que ali o viu vivendo de amigos, compondo o seu Parnaso, livro que qualifica de muita erudição, doutrina e filosofia, e lhe roubaram, e dando a última demão às suas Lusíadas.

Parte para Portugal em 1569. Como única riqueza, trazia Os Lusíadas, que ele mesmo refere (canto X, 128) ter salvo do naufrágio em que perdeu uma moça oriental, a que vinha muito ligado e a que dedica o soneto Alma minha gentil, que te partiste, a crer no texto do manuscrito da Biblioteca Municipal do Porto, que se julga ser a VIII Década perdida por Diogo de Couto. Também parecem inspirados pela mesma saudade os sonetos Ah! minha Dinamene! assim deixaste, O céu, a terra, o vento sossegado . . ., e Quando de minhas mágoas a comprida.

A vida em Portugal não lhe correu mais propícia. Um admirador do seu génio, todavia — D. Manuel de Portugal —, é exaltado pelo Poeta como o Mecenas a quem Os Lusíadas devem a sua publicação. Ele lhe facilitaria, por ventura, a tença de 15.000 réis anuais com que, a título precário e depois de somar os serviços por ele prestados no Oriente e os que viria a prestar no futuro à suficiência do poema, D. Sebastião entendeu dever pagar o tesouro do Luso, que assim qualificou Cervantes Os Lusíadas.

Talvez que a soma fosse suficiente, se a nossa burocracia, por imprevisto milagre das Musas, fosse, para o Poeta, de prontidão e diligência que nunca esteve nos seus hábitos, e se Camões, por ainda mais imprevista surpresa da sua natureza de poeta, em vez de continuar tecendo belos sonhos líricos, passasse a ocupar-se de contas de economia doméstica. O que de certo se sabe é o que nos dizem os dois únicos contemporâneos que atentam em sua existência nos últimos anos — Diogo de Couto e Diogo Bernardes. O primeiro informa-nos da situação em que o encontrou na ilha de Moçambique — comendo de amigos, que ainda lhe custearam o regresso a Lisboa. Da sua vida em Lisboa, testemunha ainda, na Década VIII publicada: "Em Portugal morreu este excelente Poeta, em pura pobreza". Por seu turno, Diogo Bernardes, no soneto que lhe consagra e Soropita publica na 1ª edição de Rimas, em 1595, escreve:

Honrou a Pátria em tudo. Imiga sorte
A fez com ele só ser encolhida,
Em prêmio de estender dela a memória.


Como se vê, não foi necessário grande dispêndio de fantasia para criar a lenda dum Camões na miséria, apenas aliviada pelas esmolas que seu pobre escravo jau lhe angariava. A miséria mendiga apenas exagera, não cria, a pura pobreza de que nos informa Couto...

O VALOR DA LÍRICA


A Lírica de Camões, publicada em 1ª edição com o título de Rimas (ou, na ortografia antiga — Rhythmas), é a realização, em plenitude e na sua máxima altura, de tudo quanto de mais delicado, profundo e belo se sonhara ensaiar na poesia anterior. A lírica dos cancioneiros medievais, enriquecida em temas e propósitos, aperfeiçoada em expressividade e métrica no Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende, ficava ainda a grande distância da profundidade e variedade de pensamento, das graças formais e poder de sugestividade, no movimento como na música verbal, na misteriosa magia da poesia camoniana. O contacto do Poeta com seus pares latinos — Virgílio, Horácio e Ovídio —, com os italianos — Petrarca, Sannazzaro, Bembo e Bernardo Tasso —, com os poetas castelhanos — Manrique, Bosean e Garcilaso — não lhe sufocou, antes lhe excitou o génio próprio, porque tudo assimilou como substância do seu próprio pensar e sentir, de tudo fez expressão das próprias vivências; toda esta variedade, como o faz um rio aos seus afluentes, ele a submeteu ao seu fluir vital, em lampejos dir-se-ia que produzidos pelo mesmo Sol, que num mesmo universo, a todos cobria de sua luz e animava de seu calor.

Repare o leitor no tema da fonte, dos cancioneiros medievos, e compare qualquer das canções medievais com as suas cantigas: Lianor vai pera a fonte e Na fonte está Lianor. Na primeira, o Poeta, enamorado da forma e da cor, dá-nos da namorada a figura plástica e colorida. Presença corpórea e pormenores do vestuário. E a por como expoente a graça que tudo penetra e ultrapassa, os versos: Chove nela graça tanta, / Que dá graça à fermosura. Chove: a graça vem do Céu .

...Na segunda, é o estudo dos movimentos do espírito, seu estado, suas reacções emotivas. A interrogação é persistente e ansiosa: Vistes lá o meu amor? Mas eis que lhe dão novas do Amado e logo a emoção de alegria, qeu lhe não cabe na alma, rebenta e desborda, convertida em pranto — que é a expressão natural da alegria extrema. Imprevistos pormenores na descrição do exterior; inéditas minúcias surpreendidas na vida interior.

Com Petrarca, os petrarquistas de Quatrocentos e Quinhentos aprenderam a intelectualizar as emoções amorosas, a surpreender na dialéctica dos contrastes os paradoxos da vida íntima, nos conflitos entre os anelos da alma e os impulsos do instinto, entre a razão e o sentimento, entre os próprios desníveis do mesmo sentimento. Camões, como todos os poetas seus contemporâneos, molda pela de Petrarca a expressão de tais conflitos, mas em quase nenhum dos sonetos em que o imita deixa de imprimir a dedada do seu génio ou das suas vivências pessoais. Um dos sonetos sob tal aspecto mais significativos é Alma minha gentil, que te partiste, quando confrontado com o imitado soneto de Petrarca, que transcrevemos e traduzimos:

Anima bella, da quel nodo sciolta
Che piú bel mai non seppe ordir Natura,
Pon dal ciel mente alla mia vita oscura,
Da si lieti pensieri a pianger volta.

La falsa opinion dal cor s'é tolta
Che mi fece alcun tempo acerba e dura
Tua dolce vista: ormai tutta sicura,
Volgi a me gli occhi, e i miei sospiri ascolta.

Mira 'l gran sasso donde Sorga nasce,
E vedravi um che sol tra l'erbe e l'acque
Di tua memoria e di dolor si pasce.

Ove giace 'l tuo albergo e dove nacque
Il nostro amor, vo' ch'abbandoni e lasce
Per non veder ne' tuoi quel ch'a te spiacque.

In M. Soneto, 37


(Tradução: Alma bela, solta daquele nó / Que nunca mais belo a Natureza soube urdir, / Lança do Céu uma lembrança à minha vida obscura, / De tão alegres pensamentos volta às lamentações. / Foi extirpada do coração a falsa opinião, / Que me tornou, por algum tempo, acerbo e duro / Teu doce olhar; hoje, plenamente segura, / Volve para mim os olhos e escutas os meus suspiros. / Atenta na grande fraga de onde nasce o Sorga, / E aí verás alguém que só por entre ervas e águas / De tua memória e de dor se nutre. / O lugar onde está a tua casa e onde nasceu / O nosso amor, quero que abandones e esqueças / Para não veres nos teus o que te desagrade.).


É, de toda a evidência, o soneto camoniano de mais delicados sentimentos que o do florentino. "Em Camões, uma religiosa e casta timidez na evocação da melindrosa amada celestial, uma condicional, não expressa no soneto de Petrarca, atenuando a possível irreverência de pedido:

Se lá no assento etéreo onde subiste,
Memória desta vida se consente . . .


Depois a humildade de quem pede — não te esqueças — em vez da exigência senhoril — quero que abandones e esqueças. Mais abnegada e misticamente amorosa também a atitude do português: não o preocupa apenas viver cá na terra sempre triste (pesamento dominante no florentino); deseja que a amada repouse lá no Céu eternamente. E o fecho do soneto, onde a técnica exige que refulja o conceito principal, ao contrário de Petrarca, que o carrega no lastro das coisas da vida, dá-lhe o nosso lírico asas que estremecem em desejos de místicas núpcias no Céu.

Um crítico italiano — Pallizzari —, no confronto dos mesmos sonetos, sente igualmente a superioridade do camoniano.

Mas o Poeta tinha o seu dramático mundo inconfundível, que não podia ser sentido no mesmo grau emotivo, nem expresso por análogas palavras ou imagens. De aí as suas Odes, como a que começa: Pode um desejo imenso . . . ; as Elegias, como O poeta Simónides, falando, ou as Canções, como Junto dum seco, fero e estéril monte . . . (A região africana de Guardafu). Nesta, os seus dias são lembrados como de dor e de ira cheios; o Poeta não teve contra si apenas a vida, o sol ardente, os mares grossos, férvidos e feios, senão também os seus pensamentos, que, sendo meios para enganar a própria natureza, apenas lhe evocavam o que mais podia dobrar do mal a aspereza. E como era necessário, foram novas as expressões, inéditas as imagens em que ele pôde captar a trágica realidade:

Aqui a imaginação se convertia
Num súbito chorar e nuns suspiros
Que rompiam os ares.
Aqui, a alma cativa,
Chagada toda, estava em carne viva.
................................
Não tinha parte donde se deitasse
Nem esperança alguma onde a cabeça
Um pouco reclinasse, por descanso . . .


E, na suposição de que sua triste voz pudesse tocar os ouvidos angélicos, subitamente, o alvoroçado surto da esperança visionária, lhe perturba o movimento do discorrer:

Ah! Senhora! Senhora! Que tão rica
Estais, que cá tão longe, de alegrias
Me sustentais com doce fingimento!
..................................


Entre as elegias, lembro ainda a que começa depois do soneto dedicatória:

Divino, almo Pastor, Délio dourado.


O Poeta, pensando nos desconcertos do Mundo, parece chegar a conclusões que negam a Providência, que crê incompatível com tais desconcertos, em que a injustiça predomina. As oitavas que ao problema dedica, são a meditação mais audaciosa a que, em matéria religiosa, foi dada expressão poética. Mas o seu Autor, que na elegia Se quando contemplamos as secretas . . ., sente a existência de Deus na ordem do Universo, sente-a na verdade que nas cousas anda, / Que mora no visíbil e invisíbil, e, para juntar à crença em Deus a crença em Cristo, não se contenta de opor, às dúvidas de todos os treze versos anteriores do soneto Verdade, amor, rezão, merecimento, a absoluta afirmação do último: Mas o melhor de tudo é crer em Cristo. A frase é, na verdade, mais imperativa do que persuasiva. Em toda esta elegia se esforça o Poeta por dar evidência a todos os pormenores da cega injustiça, da gélida ingratidão, da crueldade desumana a que Cristo é sacrificado, e insere versos deste teor:

Senhor! Que amor foi este tão crecido,
Que tão dobradas forças faz singelas
Lá de tão alto, baixo e abatido?

Ó preciosas chagas, roxas, belas,
Luminárias da noite tenebrosa,
De toda luz privada das estrelas!


As chagas de Cristo, os sofrimentos incomparáveis representados, o maior sacrifício feito pela Humanidade, são, na noite tenebrosa do Universo e da Vida, luminárias incomparáveis!

Eis os dois pontos em que Luís de Camões — o único poeta do seu tempo que em Portugal, ao contrário de Miranda, que escreve:

Sofistas me são defesos
Com seus enganos e cismas;
De fé, que não de sofismas,
Quer Deus os peitos acesos;


e ao contrário de Gil Vicente, que se nega a penetrar funduras do pensamento religioso — ousa duvidar, ousa discutir, até que lhe segurem a fé herdada de seus antepassados, estes dois pontos de apoio: ordem do Mundo, que lhe assegura a existência do Ser que a estabelece; as chagas de Cristo, tão grande sacrifício para a salvação moral do Homem, que só lho

Basilio Araujo disse...

Sobre o Camões de Garrett: além do mito



Márcia Vieira Maia
Sendo o resgate da memória cultural uma das vertentes mais exploradas pela literatura portuguesa contemporânea, é justo assinalar que a linha mestra desse percurso - ou seja, a recriação da figura paradigmática de Camões e a releitura de Os Lusíadas como texto fundador - começou a ser traçada nas proximidades do Romantismo. Já nas últimas décadas do século XVIII poetas como Filinto Elísio (ode "Servindo ao Rei e à Pátria sessenta anos") e Bocage (soneto "Camões, grande Camões, ...") projetavam em Camões suas angústias e desgraças; contudo, seria nos primórdios do Portugal oitocentista que significativas transformações sócio-políticas configurariam no país uma situação tal que este poeta se convertesse numa imagem simbólica, como aponta Ofélia Paiva Monteiro:

Sob a derrocada portuguesa das décadas iniciais de Oitocentos, quando às convulsões devidas às invasões francesas, acompanhadas pelo embarque da família real para o Brasil e pela permanência de uma exasperadora tutela britânica, se somaram, por um lado, a difusão da ideologia liberal e nacionalista e, por outro, a adesão a orientações estético-críticas, de frequente proveniência estrangeira, que enalteciam o "génio" criador (imaginativo, vibrátil, individualista, fiel às suas "raízes"e pouco atreito por tudo isso a sujeições canónicas), o perfil humano e poético de Camões mais prestígio adquire ainda, tornando-se para muitos um símbolo da aliança, incompreendida pela mesquinhez ambiente, de hombridade, exaltação, patriotismo e mérito artístico.1

A entusiástica adesão de certa juventude intelectual ao liberalismo, vitorioso na Revolução do Porto (1820), representou um apoio relevante porém insuficiente para impulsionar a aceitação de sua ideologia avançada em âmbito nacional. Rapidamente, o frágil sustentáculo do governo liberal, já corroído por divergências internas, atingiu o colapso ante uma forte resistência da maioria do país, propiciadora da reação absolutista liderada pelo infante D. Miguel. Às perseguições e ameaças subseqüentes ao movimento anticonstitucional de Vilafrancada (1823), o exílio constituiu a derradeira esperança de liberdade para os vintistas, entre eles Almeida Garrett, que chegara a integrar o quadro governamental e agora, refreado em suas aspirações reformistas, partia para a Inglaterra, fixando-se depois na França (1824).

Apreensivo, graças à sua lúcida visão do processo histórico, com o rumo por onde Portugal era temerariamente conduzido e sofrendo ainda as privações de uma vida solitária longe da pátria, intensifica-se em Garrett uma admiração, aliás inerente à sua formação clássica, pelo poeta em que ele, nesse momento, projeta-se a tal ponto de lhe dedicar um conjunto de poemas laudatórios: Camões.

Sua ação é "a composição e publicação d’Os Lusíadas", estruturando-se, de modo análogo à epopéia camoniana, em dez cantos, os quais também aqui são desenvolvidos através do recurso à viagem. É a esta que encontramos relacionada uma primeira linha temática, a saudade, cuja invocação não canônica na abertura do poema demonstra sua "‘indole absolutamente nova", conforme aponta Garrett no prefácio da primeira edição do Camões: "Conheço que ele está fora das regras". Ao enfatizar sua insubordinação a quaisquer princípios retóricos, o escritor aí declara: "Não sou clássico nem romântico".2 Compreendendo desde cedo a falsa antinomia entre classicismo e romantismo, Garrett percebe ser apenas formal a oposição entre essas duas correntes estéticas que, de fato, não constituem alternativas excludentes. Daí sua capacidade inovadora de combinar e superar, colocando-se à testa de uma escola verdadeiramente nacional e independente, cujo marco inaugural é justamente a publicação do Camões, em 1825.

Neste poema lírico-épico, o autor, num estilo digressivo, expressa seus próprios sentimentos de nostalgia e desesperança através de um "eu" narrador, claramente identificado com o protagonista; dessa forma, não há, por vezes, uma nítida diferenciação entre as vozes de Camões e de Garrett, mas sim um convergência, acentuada pelas semelhanças tanto biográficas quanto relativas ao contexto sócio-político testemunhado por cada um deles. Esses fatores, segundo Carlos Reis, fazem dessa projeção "não uma simples influência ou referência acessória, mas um fenómeno de recepção e transformação cultural capaz de conferir ao épico os contornos míticos que hoje possui".3

A diegese inicia-se in media res: após anos de penoso desterro, um amargurado Camões desembarca incógnito em terra portugesa, nela sentindo-se um estranho e tendo como único consolo a companhia inseparável de seu escravo e amigo Jau. Um monge oferece-lhes sua humilde pousada, onde, na chegada, deparam-se com um cortejo fúnebre; transtornado, o guerreiro desfalece ao contemplar o cadáver de sua amada Natércia. Durante sua convalencença, Camões permanece sob os cuidados do missionário, a quem finalmente revela, agora em primeira pessoa, seu nome e sua existência de lutas, sofrimentos e mágoas, da qual evoca um único bem:

Todos os meus tesouros são um livro.
Pouco valor, - nenhum tem porventura;
Mas de longas fadigas, do trabalho
Da vida inteira é fruto. Escrito em partes
Com lágrimas há sido, e bem pudera
Com sangue em muitas. Sobre os calvos serros
Das montanhas, nos vales deleitosos,
No campo em tendas, na guarita em praças,
No mar entre o arruído das procelas,
Aos grilhões nos cárceres, - contínuo,
Incessante, indefesso hei trabalhado
Para levar ao cabo a empresa ardida
Deste livro que tanto me há custado.
(Camões, canto quarto, II)
Na seqüência, Camões recorda o momento de sua pungente separação de Natércia, uma paixão correspondida mas cruelmente impossibilitada pelo preconceito social; a seguir, em tom eloqüente, descreve sua viagem marítima ao Oriente, repleta de passagens maravilhosas que parecem concretizar sua predestinação heróica. É imprescindível destacar que, nesse instante da narrativa, Garrett recria a vida de Camões utilizando-se de explícitas remissões a Os Lusíadas, numa sutil inversão do processo de escrita literária: segundo a ordem cronológica depreendida a partir da leitura da obra camoniana, constata-se que diversos episódios autobiográficos primeiramente mencionados nos textos líricos é que são depois incorporados à epopéia e, de forma transfigurada, atribuídos à aventura de Vasco da Gama.

A elegia "O poeta Simônides..."4 exemplifica com precisão esse complexo jogo de reflexões, ao desenvolver uma estreita relação entre poesia e memória, através de opiniões opostas sobre "uma arte singular" que impedisse "o esquecimento / Que enterra em si qualquer antiga história". Enquanto Simônides acredita no valor de uma composição que preserve a memória, o capitão Temístocles, atormentado por lembranças (de guerras), prefere uma arte capaz de fazê-lo esquecer o passado. Esse confronto entre "o propósito das Letras e a conseqüência das Armas"5 é o mote para as reflexões que, a partir daí, Camões apresenta em primeira pessoa. Surpreendentemente, o eu lírico não se identifica com o poeta grego, mas sim concorda com o militar, adotando a perspectiva de "quem se visse estar ausente, / Em longas esperanças degradado" - aliás plenamente compreensível quando o sujeito expressa sua dor em recordar os tempos felizes na miséria. Integrando à elegia fatos (supostamente) verídicos de sua viagem à Índia como soldado, o poeta transporta-se para uma nau a cruzar os mares: "Eu, trazendo lembranças por antolhos, / Trazia os olhos na água sossegada, / E a água sem sossego nos meus olhos". Diante de tão vívido contraste entre o passado e o presente, o eu lírico recorre a um imaginário mitológico, dirigindo-se às ninfas: testemunhas do sofrimento cuja memória ele deseja que retorne à sua terra natal, suplica-lhes que lá o registrem em versos escritos com as conchas, de modo a comover os pastores do Tejo que sempre o ouviam. Mas às idílicas paisagens visualizadas em seus sonhos opõe-se a fúria da natureza que ele então enfrenta ao atravessar o Cabo da Esperança:

A máquina do Mundo parecia
Que em tormenta se vinha desfazendo;
Em serras todo o mar se convertia!
Lutando, Bóreas fero e Noto horrendo
Sonoras tempestades levantavam,
Das naus as velas côncavas rompendo.
("O poeta Simônides...")
Essa ameaça de naufrágio relatada por Camões - e que posteriormente seria incluída em Os Lusíadas personificada no Adamastor - rompe com a atmosfera pastoril até então sugerida. De fato, uma outra referência biográfica vinculada à experiência do poeta como guerreiro vem contribuir para ressaltar o conflito, elucidado por Helder Macedo, "entre os valores naturais do pastoril e os valores cavaleirescos associados à épica".6 No fim da elegia, já tendo vivenciado os castigos da natureza e os do Amor, o sujeito participa da conquista do Oriente, quando reconhece as injustiças das primeiras lutas em que povos mais fracos eram impiedosamente subjugados. Isso o conduz a uma comparação entre os cavaleiros, sempre com a obrigação de combater, e os lavradores, que sobrevivem apenas da terra:

Oh! lavradores bem-aventurados!
Se conhecessem seu contentamento,
Como vivem no campo sossegados!
Dá-lhe[s] a justa terra o mantimento;
Dá-lhe[s] a fonte clara a água pura;
Mungem suas ovelhas cento a cento.
Não vem o mar irado, a noite escura,
Por ir buscar a pedra do Oriente;
Não temem o furor da guerra dura.
Vive um com suas árvores contente,
Sem lhe quebrar o sono sossegado
O cuidado do ouro reluzente.
("O poeta Simônides...")
Na simplicidade da vida campestre, ainda que isenta de riquezas, o eu lírico idealiza uma existência edênica, em absoluta harmonia com a natureza, espaço do canto dos pastores. Um espaço que, nesse momento de exílio, ele só pode atingir através da imaginação: inacessível ao soldado, essa natureza é o mundo do Amor a ser sempre cantado pelo poeta, mesmo que suas palavras sejam incomprensíveis no mundo da guerra:

Bem mal pode entender isto que digo
Quem há de andar seguindo o fero Marte,
Que traz os olhos sempre em seu perigo.
Porém seja, Senhor, de qualquer arte;
Que, posto que a Fortuna possa tanto
Que tão longe de todo o bem me aparte,
Não poderá apartar meu duro canto
Desta obrigação sua, enquanto a morte
Me não entrega ao duro Radamanto;
Se pera tristes há tão leda sorte.
("O poeta Simônides...")
Retornando ao poema de Garrett, adquire evidência a apresentação feita pelo personagem Camões dos grandes conquistadores portugueses, os quais historicamente tiveram uma participação decisiva na expansão do império mas, sem a merecida recompensa, terminaram seus dias doentes e na miséria:

Quem tais milagres de heroísmo e de honra,
Quem tanta glória a tão pequeno berço
Foi tão longe ganhar! Quem a um punhado
De homens, à mais pequena nação do orbe
Deu mares a transpor, veredas novas
A descobrir na face do universo;
Povos a subjugar, reis a humilhá-los,
Ignotos mundos a ajuntar ao velho,
E, a dilatar-lhe a superfície, a terra?
Eles. - E a Pátria, por quem tanto hão feito,
Que digno prémio lhes há dado? - A fome
Num hospital galardoou Pacheco;
A Albuquerque a desonra ao pé da campa;
Castro a pobreza, que os socorros últimos
Sobre o leito da morte mendigava.
(Camões, canto terceiro, XVII)
De todos, a guerra cobra um tributo que ele próprio, como soldado, também pagou: "O viço de meus anos se há murchado / Nas fadigas, no ardor sevo de Marte" (Camões, canto quinto, II). Mas agora, ao resgatar do esquecimento aqueles que dedicaram suas vidas a uma pátria insensível em reconhecer-lhes seu valor, o Camões garrettiano pratica sim a arte da memória inventada por Simônides. Uma arte que o poeta romântico acredita ser imprescindível para o reerguimento da nação portuguesa, já que exercida como estratégia de intervenção ideológica num contexto que exige de cada cidadão consciente um clamor patriótico:

Qu’é desse esp’rito que animava os fortes?
Qu’é desse vivo ardor de fama honrada
Que faiscava em lusitanos peitos,
E arriscadas acções, a empresas grandes,
A mais que humanos feitos os levava?
Extiguiu-se, acabou. Já fomos Lusos;
Fomos: - de nossa glória o brado ingente
Breve será clamor que geme longe,
Como voz de sepulcros esquecidos
Balda soando no porvir que a ignora.
(Camões, canto quarto, XI)
O contraste entre o passado e o presente, que na elegia camoniana manifesta-se apenas num nível pessoal, aqui abarca também o nacional: "Pátria, oh Pátria! - dizia - é pois um sonho / Essa visão, que por celeste a tive?" (Camões, canto quarto, XV). Todavia, o vislumbre de que a trajetória lusitana da glória à decadência só poderia recuperar seu sentido ascendente através de um inconformismo transgressor é compartilhado por Camões e Garrett, cujas vozes mais uma vez se confundem:

.....................De indignado
Ergui a voz, clamei contra a vergonha
Que o nome português assim manchava,
Esconjurei as sombras indignadas
Dos heróis fundadores de um império
Que tão bastardos netos destruíram.
Em vão clamei; as minhas verdades duras
Mole ouvido os tiranos ofenderam:
Puniu desterro injusto a minha audácia.
(Camões, canto quarto, XII)
Na seqüência do poema, o monge que acolhera Camões, impressionado com a qualidade da obra que ele lhe confiara, decide intervir em seu favor junto a um amigo na corte para que a epopéia possa ser apresentada a D. Sebastião. Convocado pelo monarca para uma audiência, Camões, revigorado ante a perspectiva de uma consagração gratificante, dirige-se ao palácio, onde é apresentado pelo aio Dom Aleixo ao rei:

"Ei-lo, senhor, o nobre cavaleiro
Que desejas ouvir."
- Sim, quero ouvi-lo,
Quero e desejo: não ignoro o preço
Das boas letras, nem de um raro engenho
A estima desvalio: em prol da Pátria
Uns obram coa espada; cumpre a outros
Coa pena honrá-la.
(Camões, canto sétimo, IX)

Atento o jovem rei fitava ansioso
O guerreiro cantor que o nobre aspeito
Tinha como de glória resplendente,
E na divina inspiração aceso.
(Camões, canto sétimo, XII)
Solenemente, Camões vai recitando versos que, ora compõem uma paráfrase de Os Lusíadas, ora são citações exatas - alusões essas que Garrett inclusive indica em notas. A motivação nacionalista sem dúvida é a determinante na seleção dos episódios, na ênfase dada aos valores guerreiros de audácia, força e coragem. Assim, exaltando os feitos dos heróis portugueses, o poeta conquista a admiração do monarca:

Não sabia em que modo lhe mostrasse
Ao vate sublimado o rei mancebo,
O entusiasmo, o vivo prazer d’alma
Que lhe inspiraram as canções divinas.
Louva a escolha do assunto, a arte engenhosa
Que num só quadro magestoso e grande
Todos uniu da portuguesa história
Os memorando feitos, varões dignos
De eternidade e fama: louva o ‘stilo
Nobre e terso, de pompa e singeleza,
Qual o pede a matéria; .............
(Camões, canto nono, I)
Essa cena sintetiza toda uma mística romântica configurada em torno de um verdadeiro culto camoniano: somente nessa estética é concebível idealizar um D. Sebastião extasiado a ouvir versos d’Os Lusíadas. É significativo que, numa releitura contemporânea da epopéia, a mesma situação seja imaginada de forma radicalmente diversa, contudo perfeitamente verossímel. Na peça Que farei com este livro?, José Saramago também recupera o período da vida de Camões entre o seu retorno da Índia - considerada uma "doença de Portugal"7 - e a publicação d’Os Lusíadas - obra cujo destino é aí questionado. Porém, se Garrett privilegia a concepção de um herói romântico, Saramago acaba por traçar um painel crítico da época - as disputas de poder na corte, os sonhos de conquistas do rei, a ameaça inquisitorial - enquanto apresenta as dificuldades enfrentadas pelo poeta para editar sua epopéia. É com esse objetivo que Camões vai ao Paço e, aproveitando-se da passagem do séquito de D. Sebastião pela sala onde se encontra, ousadamente dirige a palavra ao rei:

Neste livro que aqui vedes tenho escrito os feitos dos vossos antepassados e as navegações, do povo de que sois senhor.

Permiti, senhor, que vos leia, e que as ouça a corte, algumas oitavas, estas que não há muitos dias compus, a dedicatória a Vossa Alteza. Sabereis...

(D. Sebastião, que tem ouvido indiferente, avança para o outro lado e retira-se [...]. Luís de Camões permanece como estava, com um joelho em terra, segurando os papéis abertos. [...])8

Ao invés desse humilhante desprezo, no poema garrettiano o rei concede a Camões honrosos elogios e, enaltecendo sua virtude, promete-lhe a devida mercê. Essa recepção calorosa do monarca com efeito agiliza a publicação da obra: "Correra a fama do louvor, do preço / Que dera o rei ao sublimado Canto. / Pronto se oferece quem germanas artes / Em dar-lhe vida e propagá-lo empregue." (Camões, canto nono, XVIII) No entanto, um destino fatídico abate-se sobre o poeta:

Arqueja exangue,
Definha à míngua, só, desamparado
Dos amigos, do rei, da Pátria indigna,
O cantor dos Lusíadas. - Ah! como!
Que é das gratas promessas do monarca?
Que é de tanta esperança lisonjeira?
(Camões, canto décimo, II)
Valorizando, na biografia camoniana, os aspectos mais de acordo com o gosto romântico, Garrett delineia com perfeição a imagem do poeta maldito, conferindo-lhe toda uma aura mítica. Na incompreensão generalizada que o relega a um injusto esquecimento, a Camões resta apenas a solidariedade do amigo Jau:

.... tristes horas, dias, meses passam
Arrastados e longos - qual o tempo
Para infelizes anda -, sem que a sorte
Mais ditosos os visse, ou a amizade
Menos unidos. - Mas a mão tremente,
Encarquilhada e seca já sobre eles
Ia estendendo a pálida indigência,
E a fome... a fome alfim. ..............
(Camões, canto décimo, XIV)
Já no leito de morte, Camões recebe por carta a notícia do desastre de Alcácer Quibir - "das mãos trémulas / A epístola fatal lhe cai: ‘Perdido / É tudo pois!’ ". Desconsolado, "Os olhos turvos para o céu levanta; / E já no arranco extremo: - ‘Pátria, ao menos / Juntos morremos...’- E expirou coa Pátria." (Camões, canto décimo, XXIII) Essa imagem canonizada do poeta coincide com a celebrada em outras manifestações românticas inseridas num movimento internacional de exaltação camoniana, em particular o quadro de Domingos Sequeira "A morte de Camões".

Uma imagem que será reconstruída, ao longo da literatura portuguesa do século XX, por uma escrita que procura desvelar no poeta sua dimensão humana encoberta pelo mito. Ao preencher ficcionalmente as lacunas da biografia de Camões, Saramago o imagina argumentando com Frei Bartolomeu Ferreira sobre as passagens de Os Lusíadas que mais desagradariam ao Santo Ofício, com ênfase no episódio da Ilha dos Amores, relegado a um plano secundário no poema garrettiano. Em Que farei com este livro?, quando o censor questiona-lhe sobre o canto nono da sua epopéia, Camões responde:

Vossa Reverença bem sabe que o prémio das grandes acções, ou vem tarde, ou não chega nunca. Por isso me pus a imaginar um lugar do mundo, uma ilha, longe das terras habitadas pelos homens, onde os heróis fossem recebidos de acordo com o seu merecimento, coroados de flores, satisfeitos em seus gostos.9

Ainda que relutante, o frade acaba por conceder ao livro seu aval, não sem antes afirmar: "viésseis vós menos recomendado, e estou que não deixaria passar tão em claro [...] a insistência e a pertinácia com que lisonjeais os gostos sensuais".10 Esse destaque dado por Saramago ao erotismo da epopéia é reduplicado na própria peça: ao reeencontrar Francisca de Aragão, uma antiga amante desejosa de retomar o relacionamento, o poeta consegue fazer com que a adormecida paixão seja parcialmente revivida através das glosas que lhe dedica. Já na perspectiva romântica de Garrett o sentimento amoroso é transferido para um plano absoluto, restando a Camões apenas a lembrança deixada por Natércia.

Na obra camoniana, graças à complementaridade humanística entre as armas e as letras, a poesia ressurge como arte suprema de criar e imortalizar heróis - os mareantes, que em sua viagem épica são divinizados e recuperam a perdida Idade de Ouro; o próprio poeta, que em sua viagem existencial transcende sua condição humana e, num derradeiro ímpeto, lança seu clamor libertário a um mundo em desconcerto:

"Que naus são essas que ufanosas surcam
Pelo esteiro do Gama? Pendões bárbaros
Varrem o Oceano, que pasmado busca,
Em vão! nas popas descobrir as Quinas.
Em vão; da haste da lança escalavrada
Roto o estandarte cai dos portugueses.

"Cinza, esfriada cinza é todo o alcáçar
Da glória lusitana... uma faísca,
Esquecida a tiranos, lá cintila:
Mas quão débil que vens, sopro de vida!
Um só momento com vigor no peito
O coração te pulsa. Exangue, enferma
Só te ergues desse leito de miséria
Para cair, desfalecer de novo.
(Camões, canto décimo, XIX e XX)
É essa faísca que ainda hoje cintila em cada uma das múltiplas imagens de Camões que os tempos nunca cessam de refletir.




Notas

1. Ofélia Paiva Monteiro, "Camões (na literatura romântica portuguesa)", Dicionário do romantismo literário português (Coord. Helena Carvalhão Buescu), Lisboa, Caminho, 1997, p.72-76.

2. Almeida Garrett, Camões, Lisboa, Livros Horizonte, 1973, p. 29-30.

3. Carlos Reis. "Intertextualidade e ideologia: uma imagem romântica de Camões", Ensaios de metodologia e de crítica literária, Coimbra, I.N.I.C./ Centro de Literatura Portuguesa, 1982, p.59-62.

4. Luís de Camões, Obra completa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1988. p.355-360.

5. Helder Macedo, "O poeta Simónides e o capitão Temístocles", O amor das letras e das gentes; in honor of Maria de Lourdes Belchior Pontes, (Ed. João Camilo dos Santos e Frederick G. Williams), Santa Barbara, University of California / Center for Portuguese Studies, 1995, p.100-104.

6. Helder Macedo, "O poeta Simónides e o capitão Temístocles", Op. Cit. p.102.

7. José Saramago, Que farei com este livro? ,Lisboa, Caminho, 1980, 2 ed. p.49.

8. José Saramago, Que farei com este livro?, Op. Cit., p.75.

9. José Saramago, Que farei com este livro?, Op. Cit., p.122.

10. José Saramago, Que farei com este livro?, Op. Cit., p.123-124.

Basilio Araujo disse...

LUIZ VAZ DE CAMÕES


Poeta épico, satírico, bucólico e comediógrafo português. Nasceu a 4 de fevereiro de 1524, presumivelmente em Lisboa, e faleceu a 10 de junho de 1580, na mesma cidade. Filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá e Macedo, descendia por varonia do poeta galego Vasco Oures de Camões. Até os 18 anos presume-se que haja estudado em Coimbra. Surgiu depois na corte, criando desde cedo fama de grande conquistador. Apaixonou-se por Catharina de Atayde, cujo amor celebrou no soneto anagramático Natércia. Partiu em seguida com as tropas portuguesas para a África, onde, na Batalha de Mazagão, ficou cego da vista direita. De retorno à pátria, envolveu-se numa rixa durante a procissão de Corpus Cristi, sendo preso. É de então que incia o poema épico Lusíadas, que o haveria de imortalizar, inspirado nos feitos lusitanos e influenciado pela leitura das Décadas, de João de Barros. Saindo do cárcere, embarcou para as Índias, onde ocupou o cargo de Provedor dos Ausentes e Defuntos, escrevendo aí mais 6 cantos de sua obra. Sofreu imputação de peculatário e, para se defender, empreende a viagem de volta à Pátria, durante a qual o navio em que viajava naufragou. Salvou-se a nado, juntamente com seu manuscrito. Ao chegar na cidade do Porto, concluiu sua obra, dedicando-a a D. Sebastião, que lhe concedeu uma pensão de quinze mil réis anuais.
Sua vida sempre foi aventurosa e, na velhice, se não fosse a dedicação de seu escravo Jau, talvez morresse de fome, dada a extrema penúria em que vivia.
Soube a posteridade dedicar-lhe lugar de honra entre os mestres da Língua, tendo Schelegel dito a seu respeito que "Camões vale por si só, uma literatura inteira".
Obras : El-Rei Seleuco, Anfitriões, Filodemo, 122 elegias, 17 canções, 286 sonetos, etc. Um de seus livros de versos - Parnaso - lhe foi roubado, o que muito veio a prejudicar a Literatura Luso-Brasileira.

Basilio Araujo disse...

Casemiro de Abreu

José Marques Casemiro de Abreu

Poeta
Morte: 18/10/1860. Barra de São João/RJ. Brasil.

Formação:

Autodidata.

Biografia:

Seu pai, próspero comerciante, preocupado ao vê-lo debruçado sobre versos, enquanto trabalhava em sua casa comercial, enviou-o a Portugal. Aos 16 anos, em Lisboa, Casemiro já participava da redação de “A Ilustração Luso-Brasileira”. Aos 17 anos, assistiu à montagem de sua peça, “Camões e Jaú”, re-presentada no Teatro Dom Fernando. Embora se aventurasse pela dramaturgia, foi na poesia que obteve maior destaque. Sau-doso do Brasil, com-pôs “Canções do Exílio”, “Brasilianas” e “As Primaveras”. Escreveu ainda o romance “Carolina”, editado em Lisboa, e as me-mórias de viagem intituladas “Camila”. Tu-berculoso, foi trazido de volta ao Brasil por sua família, onde somente nos últimos anos de vida teve seu talento e vocação reconhecidos pelo pai. Morreu aos 21 anos, na fazenda Indaiaçu, onde a jovem que amava havia mor-rido pouco tempo antes. Alguns autores afirmam que o poeta previu sua morte nos versos: "Dorme tranqüilo à sombra do ci-preste... não tarda a minha vez". Foi poeta da chamada se-gunda fase romântica, e ficou conhecido por cantar a tristeza do exílio e as belezas do Brasil. (Fonte: Dicionário Biográfico Universal, Ed. Três, 1984)

Cronologia:


• 1839: Nasce, no dia 4 de Ja-neiro, em Barra de São João-RJ.
• 1855: Participa da redação de “A Ilustração Luso-Brasileira”, em Lisboa.
• 1856: Montagem da peça “Camões e Jaú”, no Teatro Dom Fernando, em Lisboa.
• 1860: Morre, a 18 de Outubro, em Barra de São João-RJ.

Obras:

Bibliografia:
• Brasilianas (Poesia)
• Camila (Memórias)
• Camões e Jaú (Dramaturgia)
• Canções do Exílio (Poesia)
• Carolina (Romance)
• Primaveras, As (Poesia)

Basilio Araujo disse...

A Camões

Bem árduo empenho tomo sobre os ombros!...
Posso eu cantar a glória
Do vate, que causou ao mundo assombros
Celebrando a memória
Dos feitos de um heróico e nobre povo?
Eu, bardo obscuro deste mundo novo?!
Devo eu, do seio destas tristes brenhas
Soltar nota perdida,
Que irá por certo em vibrações rouguenhas
Perder-se esvaecida
Na orquestra universal, que hoje proclama
Do lusitano bardo o nome e a fama?..
Da glória de seus feitos, de seus hinos,
Dos tristes devaneios
De seu amor, seus ásperos destinos
Três séculos vão cheios.
Três séculos há que surge essa figura,
De ano em ano mais brilhante e pura.
Porém que importa?... A tímida homenagem
De meu fervente culto
Nada amesquinha à gigantesca imagem
Do nobre, heróico vulto;
Tosca pedra que encosto ao pedestal
De uma estátua soberba e colossal.
Quando da aurora no horizonte assoma
Do sol o disco ardente,
A verde selva meneando a coma,
O zéfiro fremente,
O arroio, a fonte alegres rumorejam,
E o céu e a terra e as águas o cortejam.
Ante o foco da luz e da beleza,
Em êxtase suspenso
O mundo inteiro canta; - a natureza
Desprende um hino imenso
De multiforme, esplêndida harmonia,
Em que exalta e saúda o rei do dia.
Mas no meio da orquestra retumbante,
Que entoa a criação,
Ouve-se lá na encosta verdejante
A tímida canção,
Que entre moitas de murta e rosmaninho
Gorjeia a medo ignoto passarinho.
Assim do gênio ante o fulgor sagrado
Se expande a mente humana;
E, se entoar poema não lhe é dado
Em sonoroso hosana,
Sagra-lhe ao menos do íntimo do peito
Em verso humilde respeitoso preito.
Perdoa, pois, ó sombra venerada
Do bardo lusitano,
Perdoa, se co'a mente arrebatada
Por um arrojo insano
No monumento teu depor eu venho
Pálida flor de meu escasso engenho.
Tríplice louro te circunda a fronte
Majestosa e sublime;
Poesia, amor, patriotismo ardente
Eis o que ele exprime.
São três fanais, em que tu te inspiraste,
Na epopéia, que aos séculos legaste.
Oh! que vasto horizonte de harmonias
Já ledas e risonhas,
Já tristes, já terríveis e sombrias,
Já rudes e medonhas,
Abres nesse imortal, divo poema,
Que há de tocar do tempo à meta extrema!...
Aí do luso nauta está gravada
A imagem sobranceira
Em pedestal eterno sublimada;
Ai resplende inteira
A glória de uma altiva geração;
De um povo heróico aí bate o coração.
Quão tristemente Inês aí suspira
Seu lashmoso amor!...
Que terríveis vinganças não respira
O torvo Adamastor,
Ao nauta afouto anunciando os duros,
Cruéis desastres, que contou futuros.

Do oceano imenso aos bravos domadores
Teces formosa c'roa,
E a despeito da inveja e seus furores
Teu nome inda hoje soa,
Nobre pregão do ninho teu paterno;
E e este o prêmio teu, sublime, eterno.
E é esse só; cruel sorte te aguarda
Nos teus extremos dias;
A indiferença, a inveja lá te esguarda
Com suas garras frias;
E o mais alto cantor da altiva Ibéria
Morre à mingua no leito da miséria.
Dos sofrimentos tens a triste história,
Teus ásperos labores,
Tanto infortúnio junto a tanta glória,
Teus trágicos amores,
Diga-os a India e a gruta de Macau,
Diga Lisboa, diga o fiel Jau.
Desdobremos, porém, sobre tais cenas
Do olvido o espesso véu,
Esqueçam-se hoje cousas tão pequenas.
Esqueça-se o labéu
Dessa mesquinha geração ingrata,
Que um tão nobre filho assim maltrata.
Mas basta!... eis já cumprido o santo voto!...
Oh, imortal Camões,
Aceita os hinos do cantor ignoto;
São fracas oblações
De quem arrasta míseros andrajos
Aos pés de quem vestiu sublimes trajos.

E que importa ao fulgor de tua glória
A pálida lucerna,
Que apenas bruzuleia merencória
Em lôbrega caverna?!
Apague-se uma vez; quebre-se a lira,
Que a celebrar tu nome em vão aspira.
Poema escrito por Bernardo Guimarães em 1880,
a pedido da Revista Brasileira, em comemoração do
terceiro centenário da morte de Camões.

Basilio Araujo disse...

BIOGRAFIA LUIS VAZ DE CAMÕES - 5º. LUGAR




É o gigante das letras e o maior poeta da língua portuguesa - e um dos grandes poetas da Humanidade. Além de “Os Lusíadas”, deixa uma vastíssima obra poética. Viveu uma infância de privações, mas a sua curiosidade de aventureiro fê-lo alistar-se na milícia do ultramar. Viveu várias adversidades em Goa. O autor que sobreviveu a todas as intempéries mostra, quase cinco séculos depois, que a sua poesia escapou ilesa ao passar do tempo. Camões é, sobretudo, o símbolo de Portugal. “Foi cidadão antes de haver cidadania”, diz o historiador Medeiros Ferreira.Mais

As pessoas e as obras morrem com as gerações. Só os grandes homens - e os grandes feitos - sobrevivem ao efeito embaciado do tempo. Camões pertence à estirpe dos imortais. O maior poeta português de todos os tempos tinha amor à língua portuguesa e uma capacidade verbal assombrosa. Foi, talvez, quem mais bem trabalhou a nossa língua. “É uma das grandes figuras das letras europeias”, diz, convicto, o historiador José Hermano Saraiva.

Não será exagero dizer que foi Camões quem estruturou a língua portuguesa: manejou-a com inigualável transparência, lucidez e habilidade. No século XVI, a sua escrita era revolucionária. A excelência da sua poesia torna-a intemporal. “Camões é a nossa língua, o nosso hino, a nossa bandeira. É a voz épica e heróica da gesta nacional”, diz Miguel Veiga, advogado e um dos fundadores do PSD. “A língua portuguesa ganhou maioridade com o poeta”, afirma, por seu lado, o jornalista Duda Guennes.

Falar de Camões é falar, inevitavelmente, de “Os Lusíadas”. “É o nosso grande poema, a nossa grande obra literária”, exprime a escritora Alice Vieira. Mas há ainda o Camões lírico, dos sonetos, canções, odes, poemas de amor. Neste campo, Camões era - e ainda é - invencível. Percebeu o que os seres humanos sentem quando estão apaixonados e descreveu-o com rara profundidade. “Na poesia lírica, demonstra uma capacidade única de ir ao fundo da nossa alma. Entende, como poucos poetas, o que alguém sente quando se apaixona: o remorso, a culpa, a angústia, mas também a alegria das contradições amorosas”, explica o escritor Fernando Pinto do Amaral. É a poesia mais pura. O melhor que a artimanha pode criar com palavras e sentimentos.

Camões foi um fidalgo, filho de uma família sem riqueza. O pai, Simão Vaz de Camões, fidalgo da Casa Real, deixou o filho e a mulher em Coimbra, para onde terá ido em 1527 acompanhando a Corte, para servir o rei nas Índias.

D. Bento de Camões, prior do Mosteiro de Santa Cruz e chanceler da Universidade, possivelmente tio de Luís de Camões, terá sido a fonte da sua esmerada cultura clássica. A sua condição de fidalgo permitiu-lhe também frequentar os centros aristocráticos da cidade, onde teve acesso às obras de Petrarca (que tomou por modelo), Bembo, Garcilaso de la Vega, Ariosto, Tasso, Bernardim Ribeiro, entre outros. Dominava a literatura clássica da Grécia e de Roma. Lia latim, sabia italiano e escrevia em castelhano.

Conta-se que o poeta foi levado a frequentar o Paço por D. António de Noronha, cuja morte foi citada num soneto. Ali, terá conhecido Catarina de Ataíde, dama da rainha, considerada a grande paixão do poeta; ou, de acordo com outra hipótese, a infanta D. Maria. O mais provável é que o “grande amor” do poeta não seja mais que uma personificação idealizada do amor platónico. Já nessa altura Camões demonstrava um espantoso êxtase afectivo. Tinha na cabeça prazeres secretos.

Uma das características marcantes de Camões é o seu lado aventureiro. O seu lado picaresco é muitas vezes salientado. “Viveu à medida dos seus próprios anseios e impulsos, sobretudo na questão do amor”, diz Fernando Pinto do Amaral. “Ao mesmo tempo, tinha um enorme talento para a palavra.”

Num plano mais terreno, Camões tinha outras inquietações. É apontado como homem folgado e briguento. As suas desavenças terão dado origem a um desterro, em 1548, no Ribatejo.

A sua condição social obrigou-o a servir o rei. Embarcou, por isso, para Ceuta no Outono de 1549, costume e estágio obrigatório para a fidalguia da época, e as suas vicissitudes continuaram. Perdeu o olho direito numa escaramuça contra os mouros. “O nosso dia nacional está construído à volta de um poeta a quem tudo correu mal, excepto, felizmente, a poesia”, lembra o deputado João Soares.

De volta a Lisboa em 1551, as injustiças da vida passam a ser tema constante na sua lírica. Descreve os seus infortúnios, aponta com desprezo a sede de cobiça, o querer tiranizar. “Camões fala de tudo com a alma a sangrar em carne viva”, diz o historiador Vítor Pavão dos Santos.

Em Goa, onde chega em Setembro de 1553, a bordo da nau “S. Bento”, passa pelas atribulações de um soldado na Índia. Mas não descura as letras e, em 1556, representa a peça “Filodemo”, que escreveu para a tomada de posse do governador Francisco Barreto. Mais tarde, entre 1560 e 1561, durante uma expedição às costas da China, tendo naufragado na foz do rio Mecom, deambula pelas ilhas da Malásia. Em 1562, está de volta à capital do Estado da Índia. A sua vida foi um labirinto cheio de portas por abrir. “Um homem que, pela sua vivência de soldado, aventureiro, boémio, emigrado, exilado, regressado, por tudo isto é o típico aventureiro português”, diz o historiador Rui Afonso. “É um caso em que a pena se une à espada.”

Já em Moçambique, onde Diogo do Couto o encontra em 1567, Camões fecha-se na poesia e retoca “Os Lusíadas”. Deseja muito imprimi-lo. “Quem escreve um poema destes não só é um grande português, mas um grande cidadão do mundo”, diz o fadista Carlos do Carmo. Nos dias de frio, o poeta nunca larga a sua pena: compõe o “Parnaso Lusitano”, colectânea de poemas líricos, obra de grande erudição que teve um fim desconhecido.

Nos últimos meses de 1569, aos 45 anos, o poeta fala muito na pátria, que tanto exalta nos seus cantos. Uns amigos ajudam-no a regressar Lisboa, na nau “Santa Clara”, que chega em 1570. Traz com ele um jau, escravo javanês comprado em Moçambique, e os dez cantos de “Os Lusíadas”. Vai viver com a mãe, na Mouraria, em Lisboa, e a penúria agrava-se. Tinha apenas uma ambição: editar o seu livro. Um livro fabuloso de elogio a Portugal. “Camões é o supremo ressoar de todos os nossos mares, de todos os nossos olhares”, diz Miguel Veiga. “Mais do que isso. Exprime até à medula a condição de ser português: a pobreza, a vagabundagem, o desterro, o erro, a má fortuna e o amor ardente.”

O poeta consegue permissão real para levar adiante o seu projecto. O censor, frei Bartolomeu Ferreira, concede-lhe o direito de imprimir o livro. Na oficina do mestre António Gonçalves, em Lisboa, a obra de Camões ganha corpo. Dali saem 200 exemplares cheios de erros tipográficos. Correm os primeiros meses de 1572.
Após a publicação, D. Sebastião, o jovem monarca português, concede ao poeta um subsídio trienal de 15 mil réis, “em respeito aos serviços prestados na Índia e pela suficiência que mostrou no livro sobre as coisas de tal lugar”. A pensão é renovada em 1575 e, novamente, em 1578. Há quem defenda que era insuficiente para viver bem, mas o que de facto é extraordinário é que a tenha recebido - Luís Vaz de Camões ainda não é Camões - o poeta nacional descoberto no século XVII. “Camões é o criador de uma certa mitologia portuguesa”, declara o historiador José Sarmento Matos.

Entre 1579 e 1580 a peste assola Lisboa. Num quarto escuro, Camões tem muita febre e já ninguém duvida de que é mais uma vítima da doença. Até aí, não era costume vê-lo doente - a não ser de amor.

Camões é, sem dúvida, o símbolo de Portugal. “É o génio da raça, na sua graça e na sua desgraça, na sua bênção e na sua maldição”, diz Miguel Veiga. “É o fundador da identidade matricial da mátria e da pátria, ‘por mares nunca dantes navegados’, dando ‘novos mundos ao mundo’. Passou, de maneira indelével, a marca da universalidade e do humanismo português.”

Basilio Araujo disse...

Autores - Renascentistas
Luís Vaz de Camões - (1525-1580)

É o nome do mais célebre dos escritores portugueses. Tendo vivido quase isolado dos seus pares, nenhum deles em sua vida se lhe refere e só depois da morte mereceu de um ou outro raro amigo uma breve alusão, que, na ausência geral delas, atinge valor de preciosa. É, todavia, possível, completando os documentos que lhe respeitam, a ele ou à família, com seus escritos, tentar um esboço biográfico sem grande perigo de erros fundamentais, se bem deixando lacunas e sombras que já agora não há grande esperança de eliminar.

Impossível determinar a terra natal do poeta. Lisboa? Coimbra? A sua formação cultural, essa decorreu por ventura em Coimbra, cidade em que o tio crúzio D. Bento de Camões era chanceler da Universidade e à qual o Poeta se refere na Canção «Vão as serenas águas...». Mas, a cultura que a obra demonstra é mais fácil compreendê-la admitindo-a como preparada em alguns anos de calma escolaridade, do que supondo-a adquirida na dissipação boémia da mocidade, em Lisboa, ou na acidentada existência de soldado ou funcionário no Oriente. A sua estada em Ceuta, de que fala o seu primeiro biógrafo Pedro de Mariz, documenta-se com a elegia «Aquela que de amor descomedido», e à perda em combate de um dos olhos se refere a Canção «Vinde cá, meu tão certo secretário».


Fora para Ceuta desterrado por «uns amores que, segundo dizem, tomou no Paço»? Não se sabe. O biógrafo Mariz repete o diz-se e não é possível assentar certeza sobre os versos das composições em que o Poeta fala de desterros, porque jamais esta palavra é interpretável apenas no sentido de degredo imposto como castigo e não afastamento de iniciativa própria.

De regresso a Lisboa, decorre-lhe a vida na frequentação do Paço, onde, então ou antes, encontrou as relações a que os seus versos se referem e entre elas a do filho dos Condes de Linhares, a cuja morte dedica uma écloga, e a de D. Francisca de Aragão, a quem glosa um mote e escreve uma carta. Se, nos intervalos, em companhia dos marialvas do tempo, anda nas ruelas da Lisboa nocturna, envolvido na boémia arruaceira que consta das Cartas II e III, numa destas cartas dá o Poeta evidência à distância a que de tal existência fica o seu ideal de vida. Diz ele ao amigo, que da boémia se fora para as suas terras de perto de Coimbra, que trocaria com ele a situação, «ainda com tornas», invejoso de passar o tempo «em braços com os Sonetos de Petrarca, Arcádia de Sannazaro, Éclogas de Virgílio». Não seria sem responsabilidades nesta desordem a Lisboa quinhentista, cais do Mundo, onde se aguardavam perigosas viagens de duras e longas abstinências, aonde se regressava depois de havê-las sofrido e se senda o natural anseio de desforra dos sentidos moços, em áspera fome de prazeres.

Em tarde de procissão do Corpo de Deus, em consequência de richa com Gonçalo Borges que «tinha cárrego dos arreios do Rei», é preso no Tronco da cidade, Uma carta de perdão publicada por Juromenha informa-nos de que o ferido, que ficou sem aleijão nem deformidade, perdoou ao agressor «toda justiça, dano, corregimento», O Rei, por seu tumo, lhe perdoa, por essas razões e ainda Porque «o suplicante é um mancebo e pobre e me vai este ano (1553) servir à Índia... ».

O ir servir o Rei à Índia não é condição imposta, até porque seria excessiva, dado que o agredido lhe perdoava: é espontânea resolução do Poeta, para mais facilmente obter o perdão, mas talvez ainda mais para se libertar da vida que o não contenta e que, em carta enviada da Índia, o faz escrever: «Enfim, Senhor, não sei com que me pague saber tâo bem fugir a quantos laços me armavam os acontecimentos como com me vir para esta» (terra), declaração que, põe bem de manifesto a voluntariedade da largada.

Na índia, o Poeta não foi feliz. Goa decepcionou-o, «Babilónia onde mana / matéria a quanto mal o mundo cria». Seus versos referem-se a excursões militares e, numa delas, no Cabo Guardafu, escreve uma das suas mais belas Canções, «Junto dum seco, fero e estéril monte»... impressionante pela verdade do estado subjectivo e dos traços rápidos mas precisos do cenário. São ainda as suas composições que nos informam dos momentos de grato convívio, como aquele em que, tendo oferecido uma ceia a fidalgos seus amigos - João Lopes Leitão, Vasco de Ataíde, D. Francisco de Almeida e Heitor da Silveira -, encontraram estes nos pratos graciosos versos por iguarias. Envolve-o simpatia e prestígio que o habilitam a pedir ao Vice-Rei, Conde de Redondo, a quem glosa versos que ele lhe manda, protecção para Heitor da Silveira e para o livro Colóquios dos Simples e Drogas, do Dr. Garcia de Orta, que publica a ode a isso destinada em sua primeira edição, e a solicitar do herói de Malaca D. Leonis Pereira, benevolência igual para a obra de Magalhães Gândavo História de Santa Cruz. Colabora nas festas de investidura de Francisco Barreto no cargo de governador da Índia (1555) com o Auto de Filodemo. Em alvará de 1585, confere Filipe I à mãe do Poeta - Ana de Sá - a tença do filho, falecido, atendendo aos serviços de «Simão Vaz de Camões e aos de Luís de Camões, seu filho, cavaleiro da minha casa e a não entrar na feitoria de Chaul, de que era provido...». A nomeação do Poeta implica certo reconhecimento dos seus méritos, e o não provimento no cargo converge no mesmo significado com quanto nos fala nos seus infortúnios por exemplo, as trovas ao Conde de Redondo, para que o livre do embargo por dívida a um certo Fios-Secos de alcunha; as Oitavas ao Vice-Rei D. Constantino de Bragança, em que alude à «pobreza avorrecida, / por hospícios alheios degradado; e a do Canto X dos Lusíadas, alusiva ao injusto mando de que foi vítima e ao naufrágio na foz do rio Mecon. Fundindo suas mágoas pessoais com o mal-estar geral, o Poeta chora a incompreensão da Pátria, que o não ouve, porque «está metido / no gosto da cobiça e na rudeza / dua austera apagada e vil tristeza».

No regresso a Portugal (1569 ), encontrou-o Diogo do Couto em Moçambique comendo de amigos, ao mesmo tempo que ia trabalhando nos seus Lusíadas e no seu Parnaso - «livro de muita erudição, doutrina e filosofia» que lhe foi roubado - «furto notável». Alude ainda à sua existência no Reino no desconforto da pura pobreza, situação de que nos dá testemunho igual o soneto que Diogo Bemardes lhe dedica na 1ª ed. das Rimas (1595). A epopeia, publicado em 1572, não lha remediou notavelmente. A pensão de 15.000 réis, renovável, concedida aos serviços passados e futuros e à «suficiência que mostrou no livro que fez das coisas da Índia», além de exígua comparada com as que em data próxima, foram concedidas a pessoas da família de João de Barros, era-lhe paga com irregularidade o que, somado à naturalíssíma falta de tino administrativo dum Poeta, daria em resultado a penúria registada pelo seu primeiro biógrafo e a lenda das esmolas colhidas pelo Jau (javanês) seu criado. Era certeiro o fecho do soneto de Bemardes:

«Honrou a Pátria em tudo. Imiga sorte

a fez com ele só ser encolhida

em prémio de estender dela a memória»,

Hernâni Cidade, Dicionário de Literatura

Basilio Araujo disse...

Encontro com Luís de Camões
na obra «A Casa do Pó» de F. Campos



Um franciscano chamado Pantaleão, assistindo à chegada de uma nau da Índia, testemunha o regresso de Luís de Camões à Pátria e descreve a sua figura envelhecida por uma vida de miséria no Oriente. Algumas semanas depois, enceta-se um contacto directo entre ambos na tipografia que imprime, pela primeira vez, «Os Lusíadas». Pantaleão é confidente da história atribulada do Poeta e acompanha, emocionado, a publicação da grande epopeia nacional.

É através da focalização do protagonista da obra «A Casa do Pó» que a figura de Luís de Camões é retratada nas vertentes física, social e psicológica. No momento do seu regresso a Portugal, a dura vivência no exterior reflecte-se no corpo «magro de meia-idade», com «o rosto tisnado do mar», a «barba grisalha» e «um olho vazado». A imagem do poeta é ainda perspectivada pela mesma personagem com o seguinte vestuário: «gola de folhos, colete de fendas aveludadas, coçado, capa pendente do ombro, calções tufados».

Quanto ao enquadramento social de Camões, o livro de F. Campos fornece-nos vários dados biográficos: a frequência atribulada da vida palaciana («Não tardará que de novo a corte te acolha»); a vida de miséria no Oriente («tão pobre que vivia de amigos») e a ligação de amizade com Diogo do Couto («lhe pagara a viagem, mais a do seu pobre amigo javanês, para poder chegar a Lisboa»; «E esse teu livro de que fiz o comentário histórico?»). Ao nível do relacionamento amoroso, também a vida do Poeta é marcada pelo signo da infelicidade («os seus desiludidos amores»).

No papel de interlocutor, Pantaleão penetra no mundo íntimo da confidência e do desabafo e lega-nos um retrato psicológico de Camões: «É uma alma amargurada e desencantada». A sua inquietude entusiasma-o a recitar o verso modelar «Esta é a ditosa pátria minha amada» e castiga-o no reconhecimento da «terra madrasta». E a obra, principalmente «Os Lusíadas», representa a única fonte de motivação para uma existência ensombrada de pessimismo.

Como autor, Luís de Camões figura igualado a Homero ou a Virgílio e o poema «Os Lusíadas» é enaltecido como a «Eneida portuguesa». Nestas referências emocionadas do franciscano, fica realçado o valor do Poeta e o carácter épico do poema à pátria lusa, que mantém algumas afinidades com obras do mesmo género na cultura greco-latina.

Diogo do Couto vaticina a recepção da obra D. Sebastião, «exaltado com a glória da pátria», e é esta faceta que o Poeta consagra e estimula na Dedicatória ao jovem monarca e no discurso final, também laudatório, de «Os Lusíadas».

Acompanhando avidamente a primeira impressão da epopeia, Pantaleão testemunha o alvará de el-rei que anuncia o livro e menciona as suas principais características formais: «Eu el Rey faço saber aos que este Alvara virem que eu ey por bem & me praz dar licença a Luís de Camões pera que possa fazer imprimir «nesta cidade de Lisboa hua obra em Octava rima chamada Os Lusiadas, que contem dez cantos perfeitos...»

O assunto da obra decorre da intenção, por parte do Poeta, de cantar os feitos ilustres de um povo «que descobre uma nova dimensão no espaço e no tempo cósmico, a comunhão das raças e das crenças, dos usos e maneiras». Estas qualidades ilustram uma nova visão do Homem, engrandecendo-o como senhor do universo. A edificante realização colectiva que a epopeia imortaliza goza de um significativo interesse nacional e de um alcance ao nível mundial.

O espírito humanista que envolve a produção camoniana confere-lhe um sentido de modernidade claramente denunciado na seguinte passagem do livro de Fernando Campos: «Poeta moderno, desta corrente que bebe seus cânones nos poetas e artistas italianos».

Após a publicação de «Os Lusíadas», a vida de Camões definha numa vertiginosa decadência. A miséria e a doença são o prenúncio do fim de uma existência e alastram numa época também em ruína O desaparecimento do jovem monarca reinante liquida uma situação estéril e irreversível: «Nos começos de Agosto chegavam as primeiras vozes da imensa desgraça e pronunciava-se a medo o nome de Alcácer Quibir... e em dois anos apenas tudo baqueia. O rei fora morrer lá longe sem deixar semente.»

A morte do Poeta coincide com a derrocada de uma nação que ele imortalizou na memória épica da fértil expansão. Este desabamento trágico está patente na consciência lúcida do protagonista do romance de Fernando Campos: «Luís está a morrer! Ainda corro a tempo de escutar o último pulsar daquele “peito ilustre lusitano” e de o ungir. Não tem outros companheiros a seguir-lhe os restos senão a mim e a Jau... Tudo está perdido! A derrota de Alcântara! O prior do Crato a fugir pelo Minho e muitos dos seus apoiantes presos e enviados para as masmorras de Espanha!»

A perda da independência nacional corresponde ao desmoronamento dos anseios do franciscano em encontrar a sua própria identidade, privando-o de reconhecer as suas origens: «Na capela dos dominicanos, onde penso ajoelhar-me na pedra rasa do túmulo de minha mãe, nenhum vestígio existe de lajes tumulares (...) depois de um terramoto que quase destruiu o convento. Imagino que duas lajes deviam ter estado ali deitadas, lado a lado, defronte do altar-mor, mas que o Céu nem isso consentiu que permanecesse.»

Paula Tribuzi

Basilio Araujo disse...

O Pueri Domus Escolas Associadas realiza no próximo sábado a 2ª fase do Torneio InterAssociadas de Esportes

São Paulo, 13 de setembro de 2007 – Acontece no próximo dia 15 de setembro, sábado, na cidade de Jaú, a fase eliminatória do 7º Torneio InterAssociadas de Esportes para o Ensino Fundamental promovido pelo Pueri Domus Escolas Associadas. O evento tem como objetivo integrar alunos de todo o Estado de São Paulo por meio do esporte. A abertura será às 8h nos locais indicados abaixo.

O InterAssociadas é realizado pelo Pueri Domus Escolas Associadas desde o ano de 2001 e vem desenvolvendo um importante papel no estimulo a pratica de atividade física saudável e bem orientada. O evento receberá representantes das seguintes cidades: Santa Cruz do Rio Pardo, Itápolis, Maracaí, Catanduva, Ourinhos, Jaú, Araçatuba, Assis, Dois Córregos e Araraquara.

O programa tem o patrocínio das empresas, Arcor, Servilog e Bic, além do apoio da loja A Esportiva, Nosso Recanto Acampamento (NR) e Experimento Intercâmbio Cultural. Este ano a competição inclui 115 equipes de Futsal e 45 equipes de Voleibol.

Basilio Araujo disse...

AMALIA - Seis Anos de Saudade

No ano transacto, por esta altura, este blog promoveu um pequeno concurso literário em homenagem a Amália Rodrigues, que foi largamente participado. Muitos bloguistas e não só, escreveram poemas e textos sobre Amália, muitos deles, dignos de figurarem num livro-tributo à Diva de Portugal. Este ano, por impossibilidade da editora deste blog, não foi possível promover outra iniciativa do género. Isso implicaria ter de dispender o tempo que a homenageada e os possíveis concorrentes mereceriam. Dada a falta desse tempo indispensável, por ocasião de mais um aniversário da morte de Amália, este blog limita-se a transcrever três poemas de três grandes poetas do século XX português, num tributo sentido à Cantora, à Poetisa, à Artista e à Mulher que foi, é, e sempre será, Amália Rodrigues. A personalidade de maior prestígio do Portugal do século XX.


AMALIA

Eu já não sei, quando te ouço,
se como caracóis ou mastigo alecrim,
se me derramo pelo amor,
ou por um banco de jardim.
Se a gaivota voa fora ou voa dentro de mim,
se, coisa cantante,um sentimento pode
apodrecer ao sol,
se o desgosto é gosto, ou o gosto é desgosto,
se hei-de ir a Viana ou derivar por Lisboa,
até onde a voz se faz mais rouca.

Eu já nâo sei, quando te ouço,
que pedrinhas atirar e a que janelas,
que caretas fazer às feias, quer dizer,
às menos belas,
que mãos beijar, trincar, devorar
e que anéis cuspir para as valetas.

Eu já não sei, quando te ouço,
se trepe a estilita ou mergulhe num poço.

Eu já não sei, Amália,
donde vem, para onde vai, a tua voz,
que rapaz, que rapariga
estão prometidos, ( e tão sós! ) , na tua voz.

ALEXANDRE O' NEIL


RETRATO DE AMÁLIA

És filha de Camões, filha de Inês
assassinada voz de portuguesa
cantando a nossa imensa pequenez
com laranjas e gomos de tristeza.

É no claro Mondego dos teus olhos
que se debruça o mal da nossa mágoa.
Ao Tejo, dos teus gestos que se acolhe
o nosso coração a pulsar água.

Cantando, desatada de saudade,
choras um povo, cantas a balada
mais bonita que soa na cidade
de Lisboa, por ti, apaixonada.

JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS


AMÁLIA

Na tua voz há tudo o que não há,
há tudo o que se diz e não se diz.
Há os sítios da saudade em tua voz,
o passado, o futuro, o nunca, o já,
há as sílabas da alma, e há um país.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Na tua voz embarca-se e não mais,
não mais senão o mar e a despedida,
há um rastro de naufrágio em tua voz
onde há navios a sair do cais,
nessa voz por mil vozes repartida.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

Há mar e mágoa, e a sombra de uma nau,
a Gaivota de O'Neil e o rio Tejo,
saudade de saudade em tua voz,
um eco de Camões e o escravo Jau,
amor, ciúme, cinza e vão desejo.
Porque tu, mais que tu, és todos nós.

MANUEL ALEGRE